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A violência dentro da sala de aula

1. Brasil tem o maior índice de agressões contra professores

Entre 2014 e 2017, houve 624 denúncias de ameaças a professores dentro de estabelecimentos de ensino no Estado do Rio de Janeiro. Os números são do Instituto de Segurança Pública, ISP, e só comprovam o que professores vêm apontando há muito tempo – a violência invadiu a escola.

Em 2017, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, divulgou dados de uma pesquisa global com mais de 100 mil professores e diretores de escolas do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio. Seus números revelavam que o Brasil é o país com maior índice de violência nas escolas.

É o índice mais alto entre os 34 países - a média entre eles é de 3,4%. No Brasil, 12,5% dos professores ouvidos na pesquisa declararam ter sido vítimas de agressões verbais ou intimidação por parte de alunos pelo menos uma vez na semana. Atrás do Brasil, estão a Estônia, com 11%, e a Austrália com 9,7%.

Para agravar esse quadro, cabe mencionar que os professores são também vítimas da violência nas comunidades onde as escolas estão inseridas. Como um dado ilustrativo, em reunião do Fundo das Nações Unidas para a Infância, UNICEF, em 2017, foi divulgado que, no primeiro semestre letivo do mesmo ano, na Cidade do Rio de Janeiro, só houve o funcionamento de todas as escolas do município em 8 dias letivos, de um total de 107 dias, em função dos tiroteios.

 

2. Tipos de agressão

Nesse contexto de violência, os professores sofrem diferentes tipos de agressões – agressões verbais, ameaças e mesmo agressões físicas. Segundo o documento do ISP, os alunos são os responsáveis por ¼ das ocorrências. Há também muitas agressões vindas de pais e responsáveis.  Apenas 5,5% dos casos diz respeito a agressões vinda de colegas de trabalho – professores ou funcionários da escola.

As professoras são as maiores vítimas. Em ¾ dos casos as ocorrências são registradas por mulheres. São também os professores e professoras mais jovens, com a média de idade de 31 anos, os que mais sofrem ameaças e agressões. É no período da manhã que ocorrem 50% dos casos.

3. Locais de maior ocorrência

 

Os números do ISP mostram que, entre 2014 e 2017, um professor sofreu algum tipo de agressão a cada três dias. No estado, é na Cidade do Rio de Janeiro que ocorrem o maior número de queixas de ameaças ou agressões aos professores. Entre os quatro anos da pesquisa, as escolas municipais da cidade sofreram 227 casos de violência. A seguir, no ranking, estão São Gonçalo (29 ocorrências), na Região Metropolitana, Duque de Caxias (28) e Nova Iguaçu (24), na Baixada Fluminense.

No município do Rio de Janeiro, os bairros, isoladamente, com o maior número de registros são Campo Grande, com 11; Taquara, com 10 e Santa Cruz com 9. Mas é a área do 3º BPM, Méier, que abrange 20 bairros da Zona Norte e favelas como Complexo do Lins, Jacarezinho e Manguinhos, é a que mais concentra registros de ameaça a professores. Apenas essa região teve 38 casos registrados em delegacias da área, o que equivale a 6% do total de ocorrências registadas no estado. Mas isoladamente, a 59ª Delegacia de Polícia, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, foi a que mais recebeu denúncias.

  Mapa agressões professores

Em reportagem publicada pelo jornal O Globo, em 16 de julho, tanto a Secretaria Municipal de Educação, quanto a Secretaria Estadual, afirmaram que não fazem o registro de dados relativos situações de violência contra professores. Isto é mais um descaso do poder público com as condições de trabalho do professor e em nada cooperam para o desenvolvimento de estratégias que possam colaborar para a mudança deste quadro.

 

Entrevistas

Entrevista 1 – Jovem professor que desistiu da carreira no magistério depois de viver agressões

Quanto tempo você deu aulas na rede pública?                                                             

Me formei, fiz concurso e comecei a dar aula. Era tipo um sonho. Minha mãe foi professora, diretora de escola... Mas não consegui nem completar um ano em sala de aula. Acredita?

Por que?                                                                                                                                          

Porque não aguentei a barra. Não tenho mais vergonha de falar isso, mas já tive muita. Faço acompanhamento psicológico até hoje. Foi o que me ajudou.

Você foi vítima de violência?                                                                                                      

Fui vítima desse sistema todo que está poder. Os alunos repetem dentro da escola o que vivem lá fora, com famílias desestruturadas, no meio do tráfico e de toda a violência dessa cidade. Em uma das minhas turmas tinha umas meninas barra pesada. Logo no começo do ano letivo eu vi que ia ter dificuldades, mas nunca pensei que chegasse aquele nível. Elas zombavam de mim na aula, falavam o tempo todo, não tinham o menor respeito. E isso contagiava a turma. Um dia fui mais severa, dei uns gritos, um “cala boca” geral. Elas me esperaram sair da escola. Me imprensaram no muro, me arrastaram por dois ou três quarteirões e disseram claramente que eu ia morrer. Foi a pior experiência da minha vida.

Você denunciou?                                                                                                            

Não, não. Falei com a diretora, com colegas professores e todos, apesar de assustados, só diziam para eu deixar passar. Eu ainda tentei manter a calma. Mas eu não conseguia mais entrar naquela escola, sem estrutura, salas de aula decadentes, adolescentes repetindo o repertório dos bandidos... olha, foi demais para mim.

Você pediu licença?                                                                                                                                        

Não, não. Sai da escola. Sai de tudo. Desisti do magistério. Desisti da educação.

 

Entrevista 2 – Professora experiente que pediu aposentadoria depois de viver agressões

A senhora foi agredida pelo pai de uma aluna?                                                                  

Isso mesmo. A gente agora tem que viver com mais isso. A violência entrou na escola e a gente não tem o que fazer.

Há quanto tempo a senhora trabalha na escola?                                              

Eu tenho 30 anos de magistério. Sou diretora de escola há 20. Aqui, nessa escola, eu trabalho há 16 anos. Eu sou testemunha da mudança que a escola viveu. A gente era respeitada na comunidade. Mesmo os meninos do tráfico respeitavam a escola. Agora, parece que a escola não vale mais nada pra ninguém. É muito triste.

O que aconteceu com a senhora exatamente?                                                                        

Uma aluna agrediu a professora em sala de aula. Xingou, rasgou livro, aprontou mesmo. Chamei para conversar, dei uma bronca... Ela pareceu concordar, ficou quieta, de cabeça baixa. No dia seguinte, estou ali na sala dos professores, quando entra esse sujeito, chega bem perto de mim, coloca o dedo na minha cara e diz assim: “tia, se a senhora quiser continuar de diretora aqui nessa m... a senhora deixa a minha filha quieta. Se não quem vai chorar são os seus filhos. Só tô avisando”.

E a senhora? Fez o quê?

Entrei com o pedido da minha aposentadoria. Já tenho idade e tempo suficiente, e já cumpri meu papel. Não vou morrer aqui nessa escola, por causa desse povo ruim.