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Agosto Lilás e a violência contra mulheres

A Lei 11.340, conhecida pelo nome da parlamentar que apresentou o projeto de lei para sua criação, Maria da Penha, completou, no último dia 7 de agosto, 12 anos.  A Lei Maria da Penha representa um marco fundamental na proteção dos direitos da mulher, ao endurecer a punição à agressões no ambiente doméstico e familiar. Mas os crimes contra as mulheres continuam crescendo no Brasil.

Nos últimos dias, mulheres foram mortas por maridos e companheiros por motivos torpes, como ciúmes e possessividade, indicando que o país está longe de erradicar este tipo de crime. Nessa semana, a justiça decretou a prisão do ex-marido de uma mulher de 44 anos, morta a tiros, na frente do filho do casal de 13 anos. O crime aconteceu às 14h, em uma rua movimentada da Barra, Zona Oeste do Rio de Janeiro. O executor foi o primo do ex-marido, reconhecido pelo adolescente que estava com a mãe.

O casal já estava separado há cinco anos. E o delegado responsável pela investigações diz que a mulher estava morando com um novo companheiro há cerca de 4 meses. “A felicidade da mulher pode ter provocado ira no ex-marido. O crime guarda todos os qualificadores de um feminicídio. E as investigações apontam pelo menos para um homicídio triplamente qualificado. Por ser mulher, motivo torpe e sem possibilidade de defesa”, declarou o delegado a um jornal da cidade do Rio de Janeiro.

Também no Rio de Janeiro, uma mulher grávida foi assassinada, no último dia 6, pelo marido. Ele admitiu que matou a esposa asfixiada, na frente do filho de três anos,  por que achava que o filho que a mulher gerava não era seu.

No Paraná, o Ministério Público, MP-PR, apresentou denúncia por feminicídio contra o biólogo Luís Felipe Manvailer.  Sua esposa, a advogada Tatiane Spitzner, foi encontrada morta, no dia 22 de julho, depois de, supostamente, ter sido empurrada do 4º andar do prédio onde o casal morava, em Guarapuava.

Em Brasília, a Polícia Civil prendeu em flagrante, no dia 5 de agosto, um homem de 44 anos acusado de matar a esposa. A mulher de 37 anos morreu depois de cair do terceiro andar do prédio onde o casal morava.  O agressor vai responder pelo crime de homicídio triplamente qualificado (cometido por motivo torpe, sem possibilidade de defesa da vítima e feminicídio). O casal tem um histórico de violência doméstica, com brigas frequentes, agressões, injúrias e ameaças recíprocas.

Os Retratos da Intervenção já abordaram a questão da violência contra a mulher, falando sobre a Lei do Feminicídio e apresentando os dados de 2017. A Campanha Agosto Lilás, que está em andamento, convida a, mais uma vez, propor o tema para reflexão. Este é o mês da conscientização pelo fim da violência contra a mulher e os últimos acontecimentos mostram que o debate é mais que necessário.

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1.  A violência doméstica contra a mulher

A violência doméstica contra a mulher acontece sistematicamente em todo o país, e os dados são alarmantes. Mas o que torna estes números mais dramáticos são os motivos para as agressões e homicídios: as mulheres são agredidas porque são mulheres.

Geralmente, a violência acontece quando a mulher contraria normas de uma sociedade dominada por padrões de comportamento determinados por homens. São inúmeros os casos em que mulheres são agredidas por não terem obedecido a pais, maridos, namorados - ou porque não quiseram fazer sexo ou porque o comprimento do vestido ou da bermuda era “inadequado”; por que insistiram em sair com amigas; por que tinham amigos e qualquer outro motivo considerado “ofensivo” ao domínio masculino.

A violência doméstica é um dos tipos mais cruéis de violência contra a mulher, por que acontece dentro de casa, velada ou explicitamente. Mulheres de todas as faixas etárias são vítimas – desde meninas e adolescentes até adultas e idosas. As agressões vêm de pessoas nas quais as vítimas pretensamente deveriam confiar – pais, irmãos, tios, maridos, companheiros, namorados, padrastos.

O Relógio da Violência, um aplicativo do Instituto Maria da Penha, apontava, em 2017, que a cada 2 segundos uma mulher era vítima de violência física ou verbal no Brasil. O aplicativo foi lançado há um ano, no bojo de uma campanha com o objetivo de alertar sobre o número de casos de violência contra a mulher no Brasil. O Relógio da Violência registrava o número de mulheres que sofriam qualquer tipo de agressão, moral ou física, numa contagem sistemática dos casos. 

2. Os números da violência doméstica

Dados divulgados em março desse ano pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça, CNJ, mostravam que o número de casos de violência doméstica registrados no Brasil aumentou em 16% em 2017, em relação ao ano anterior.

Foram relacionados 1.273.398 processos em tramitação nas justiças estaduais em todo o país. Só em 2017 foram registrados 388.263 novos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Até o final de 2017, havia um processo judicial para cada 100 mulheres brasileiras. Os números de registros de denúncias de violência doméstica têm crescido, mas é preciso ressaltar um enorme contingente de mulheres não registram queixa contra maridos e companheiros por medo, vergonha ou dependência financeira.  Ainda vigora o velho ditado machista – “ruim com ele, pior sem ele”.

Um indicativo da dimensão do problema surgiu na pesquisa realizada em 2014 pelo Instituto Patrícia Galvão. Os dados mostram que a violência doméstica está presente no cotidiano da maior parte dos brasileiros: entre os entrevistados de ambos os sexos e de todas as classes sociais, 54% conhecem uma mulher que já foi agredida por um parceiro, e 56% conhecem um homem que já agrediu uma parceira.

 

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Entrevistas

Entrevista 1 – Mulher de 46 anos, médica, moradora da Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro

Você contou que é agredida pelo seu companheiro, correto?

Isso já acontece há um tempo. Mas só agora estou conseguindo começar a falar. É tão horrível, tão humilhante, que a gente não tem coragem de falar, contar pra ninguém...

E porque resolveu falar agora?

Por que eu não estou mais conseguindo aguentar a situação e estou vendo que preciso de ajuda.

Por que seu companheiro lhe agride?

Por nada! A gente começa uma discussão por qualquer motivo bobo e ele vai se estressando, até perder o controle. Antes ele só me xingava, começava a me chamar de idiota e daí o nível ia baixando, cada vez piorando. Um dia ele me pegou pelos braços e me sacudiu com muita violência. Eu fiquei paralisada, não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo comigo. Tentei sair da relação, as ele não deixou. Me ligava dia e noite, pediu perdão, insistiu no nosso amor. E eu aceitei ele de volta. Mas a violência não parou e da última vez, até meu vizinho veio bater na minha porta. Eu já tinha apanhado, levado um soco na cabeça!! Bati na parede com tanta violência que os vizinhos ficaram apavorados.

E o que aconteceu nesse dia?

Você acredita que eu protegi ele??? Protegi. Abri a porta, disse que não estava acontecendo nada, que era coisa de família.

E ficou por isso mesmo?

Aconteceu o mesmo ciclo que eu repito sempre. Ele foi embora e depois voltou arrependido, chorando, pedindo desculpas, fazendo promessas... Eu conheço esse ciclo, não sou burra ou alienada. Mas não consigo forças para sair.

Estamos juntos de novo. Eu já sei o tamanho disso, e sei que ele um dia acaba me matando. Então, eu sei também que vou precisar de coragem. Que a minha coragem precisa ser maior que a vergonha que eu tenho de assumir que ele é um agressor e que eu sou uma mulher que apanho na cara, imagine isso, e continuo com ele!

Sinto uma vergonha que não tem limite. Eu me pergunto o tempo todo o quê foi que eu fiz, o que é que eu faço para que esse homem que é tão bom se transforme num animal, de uma hora para outra...  Eu não sei. Mas também já entendi que preciso de ajuda. Não sei mais o que fazer.

 

Entrevista 2 – Mulher de 38 anos, faxineira, moradora de favela na Zona Norte do Rio de Janeiro

Você é agredida por seu marido?

Sou sim. Tô vivendo um verdadeiro inferno na minha vida com esse homem.

Há quanto tempo vocês estão juntos?

Vai fazer sete anos agora em outubro.

Mas o que está acontecendo?

Ele bebe, sabe? E usa cocaína também. E quando chega em casa alterado, eu não posso falar nada, tenho que sumir dentro de casa, se não é briga certa e acabo levando uma porrada.

E sempre foi assim?

Se eu lhe disser que eu não sabia que ele tinha um lado ruim eu vou tá mentindo. Minha mãe cansou de falar no meu ouvido, mas a gente acha que pode consertar o que não tem conserto. Tava grávida ainda da Jéssica e já levei o primeiro safanão.  Fiquei doida aqui, viu? Queria matar ele! Mas nem eu ia matar e nem tinha pra onde ir.  Quem é que ia me aceitar de barriga, sem trabalho... Então fiquei e tô até hoje. Parece sina. Minha mãe apanhava do meu pai que nem pandeiro, e agora eu apanho desse traste, até na frente dos meninos aí, assistindo tudo.

E você planeja fazer o quê?

Planeja, como assim? Você diz separar, essas coisas?

Sim. O que vai fazer para sair dessa condição?

Sair pra onde, mulé? Vou pra onde com dois filho pequeno? A gente aqui não tem nada para dividir não. E se eu inventar história esse homem me mata.

Eu vou levando, me virando do jeito que dá e escapando dele. É isso só que eu faço, por que ninguém vai botar comida na boca das criança não!