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As mulheres negras são as maiores vítimas da violência

O Atlas da Violência 2018, do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), ao analisar dados de violência entre 2006 e 2016, indicou um aumento de 6,4 % no número de mulheres assassinadas no país.  Só em 2016, 4.645 mulheres foram mortas, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras.

A cada duas horas uma mulher é morta no Brasil – a média de 13 assassinatos por dia.

Somente em 2015, a Central de Atendimento a Mulher – Ligue 180, realizou 749.024 atendimentos, ou seja, um atendimento a cada 42 segundos.

Esse cenário é suficiente para que a questão da violência contra a mulher seja destaque no debate sobre segurança pública. Entretanto, o quadro ainda piora bastante quando a variável “cor e raça” é incluída na análise.

1 - Os números da morte

Em 2016, ainda segundo os dados compilados pelo Atlas da Violência 2018, a taxa de homicídios de mulheres negras era bem maior que a de não negras – 5,3 e 3,1 respectivamente. A diferença é de 71%.

E apesar dos avanços no debate sobre direitos das mulheres, a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, as denúncias de racismo e mesmo a nova onda feminista que denúncia a violência, a taxa de homicídios em cada 100 mil mulheres negras aumentou 15,4%. Entre as não negras, o aumento foi quase a metade – 8%.

 Evolução homicídio negras

Quadro mortalidade

 

Entre 2003 e 2013, o número de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8% - de 1.747 para 1.570. No mesmo período, o número de mulheres negras mortas de forma violenta subiu 54,2%, passando de 1.864 para 2.875.

Dados obtidos pela reportagem do R7 apontam que, em 2013, as mulheres negras foram as maiores vítimas de violência doméstica no Brasil, alcançando o percentual de 60% das agredidas por pessoas conhecidas. No período de um ano, 1,5 milhão de mulheres negras foram agredidas.

No Estado do Rio de Janeiro, a situação é alarmante. As mulheres negras representam 63,7% das vítimas de violência seguida de morte; e mais da metade do total de mulheres que são agredidas fisicamente é negra – 54,5%.

Os dados são do Mapa da Violência e reforçam que as mulheres negras são as mais desprotegidas.  Essas mulheres que enfrentam diariamente as privações da exclusão social são também expostas à discriminação de gênero, que as coloca em condições de vulnerabilidade, muitas vezes não-condizentes com o seu papel, cada vez mais frequente, de chefe de família.

 

2 - Tipos de violência

Mas o que os relatórios e mapas têm mostrado é que no contexto geral de aumento da violência no país, alguns segmentos são mais vitimizados, como os jovens negros. E neste quadro a mulher negra também aparece como vítima preferencial.

Segundo o Dossiê Mulher 2010, as mulheres negras são a maioria entre as vítimas de homicídio doloso – aquele em que há intenção de matar – (55,2%); tentativa de homicídio (51%); lesão corporal (52,1%); além de estupro e atentado violento ao pudor (54%). As brancas só eram maioria nos crimes de ameaça (50,2%).

Outro dado que chama atenção diz respeito às mulheres negras grávidas, que são negligenciadas quando precisam acessar o sistema de saúde; sofrem racismo institucional, que acaba provocando morte materna, ocasionada pela forma inadequada de atendimento no pré-natal, ou porque não conseguem vaga na hora do parto. Não contam com a presença de acompanhantes na hora do parto e não recebem atendimento adequado que ajude a aliviar as dores do parto.

A 4ª Conferencia Nacional da Promoção e Igualdade Racial (Conapir) informou que 54,1% das mortes maternas ocorrem entre as mulheres negras na faixa etária de 15 a 29 anos.

No Estado do Rio de Janeiro, em 2015, o Dossiê Mulher também apontava que as mulheres negras foram as maiores vítimas de violência.

Os dados chamam atenção para o estupro e homicídios, sendo 56,8% para os casos de estupro e 62,2% para os crimes de homicídios.

Em 2017, houve uma queda, no Estado do Rio, nos registro de mulheres mortas - de 396 em 2016, para 381 em 2017 - sendo que 60% das vítimas eram negras.

A grande maioria dos crimes sofridos por mulheres negras é impetrada por pessoas com quem elas se relacionam ou conhecem.  Estes agressores costumam ser companheiros, ex-companheiros, parentes e pessoas próximas das vítimas.

 

3 - Direitos da Mulher -  leis de proteção

A Lei Maria da Penha foi criada em 2006, para coibir os casos de violência doméstica praticada contra as mulheres, em um contexto em que cerca de 5 mulheres são espancadas a cada dois minutos no Brasil (fundação Perseu Abramo).

Antes de criada a Lei Maria da Penha a violência doméstica não era considerada agravante de pena.

A lei também determina atendimento e apoio às mulheres por meio de uma rede de instituições.

A Lei do Feminicídio, aprovada no governo Dilma Roussef, foi criada para coibir a prática de crimes contra a mulher em razão de sexo. A lei considera a violência doméstica crime hediondo, e torna inafiançável a discriminação contra as mulheres que acaba em assassinato.

Na cidade do Rio de Janeiro foram aprovados projetos de lei em benefício das mulheres em situação de vulnerabiliade e violência, entre eles a Lei das Casas de Parto, que previne a incidência de morte materna.  Vale lembrar que a maior incidência desse tipo de morte ocorre entre as mulheres negras.

A cidade também incluiu no seu calendário o Dia de Thereza de Benguela, como celebração adicional ao Dia da Mulher Negra, em homenagem à líder quilombola Thereza de Benguela, símbolo de força e resistência.

O Dossiê Mulher Carioca, projeto de lei da vereadora Marielle Franco, pretende fornecer informações que possam auxiliar na formulação de políticas públicas voltadas para mulheres através da compilação de dados da Saúde, Assistência Social e Direitos Humanos do Município do Rio de Janeiro.

 

Entrevista 1-  Mulher 37 anos, sofre violência doméstica.

Você sofreu que tipo de agressão?                                                                                 

Eu apanho sempre do meu companheiro. Começa por ele puxar meu cabelo. Ele diz que meu cabelo é ruim que nem eu, e aí parte para agressão.

Há quanto tempo você sofre violência?                                                                              

Já perdi as contas do tempo, mas pelo menos há uns três anos

Mas vocês brigam assim por quê?                                                                                  

Ele que briga. Eu não brigo, não. Ele bebe aí na rua e já chega em casa tocado, com o demônio. Daí começa a ofender, me xinga de preta, macaca. A família dele é mais clarinha, lá do Ceará. E ele gosta de ofender com essa coisa de eu ser mais escura.

E você nunca pensou em buscar ajuda, largá-lo?                    

Pensar já pensei sim. Mas fico com medo dele fazer coisa pior se eu sair. E nem tenho para onde ir, porque dependo dele pra tudo aí com as crianças.

Você tem filhos?

Tenho sim, três meninos aí, que estão cansados de me ver apanhando.

E sua família?                                                                                                              

Minha mãe, coitada, fica com pena da gente, mas não pode ajudar, também já sofreu tanto. O que eu penso mesmo aqui comigo é que eu quero matar ele num dia desses. É isso o que eu penso aqui comigo. Quando ele chegar bêbado e dormir. Daí acaba esse sofrimento.

Nem pense nisso! Por que você não procura ajuda?                                

E quem é que ajuda, moça? Quem vai dar teto pros meus filhos? Comida?                                Ninguém ajuda ninguém mais não. Agora é cada um por si... E se saí daqui fugida, ele me caça e aí é que me quebra toda ou mata.

 

Entrevista 2 – Mulher, 38 anos, sofreu racismo no trabalho

Carmem, você me disse que trabalha nessa empresa há pouco tempo, que teve problemas. Como foi sua admissão?

Olha, eu não senti nenhuma dificuldade nos testes a que fui submetida. A entrevista é que foi complicada.

Mas o que ocorreu na entrevista?

Bem, eu percebi que era a única mulher negra que estava no processo seletivo, e logo na entrevista percebi que havia uma fala preconceituosa da entrevistadora.

Que tipo de fala?

A entrevistadora perguntou se eu consegui terminar os estudos e se eu era moradora de comunidade. Pedi que ela que fosse mais clara, porque achei as perguntas bem preconceituosas. Perguntei se ela estava fazendo aquelas perguntas por causa da minha cor ou se era comum a todos os candidatos esse tipo de pergunta.

E qual foi a resposta dela?

Ela tentou se justificar, mas deu seu jeito de dizer que a empresa não costuma receber candidatos negros para aquele cargo, principalmente mulheres! Juro pra você!

E como você reagiu e se sentiu?                                                                                     

Eu respondi a ela que estava me sentindo discriminada e que ela havia usado prática de racismo institucional, que apesar de me julgar por minha raça era uma profissional preparada e qualificada para a vaga.

Mas apesar da minha fala é claro que me senti muito mal. Infelizmente nós sofremos diariamente na pele todas as formas de preconceito, racismo, discriminação e violência. Muito duro.