Barreiras do Tráfico
As organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas impõem aos moradores das localidades onde possuem influência uma série de restrições. A mais simbólica é a barreira colocada nas vias de acesso à comunidade. Usada para impedir ou dificultar o acesso da polícia, ela também representa, simbolicamente, as fronteiras da cidade.
1 – A instalação de barreiras é usada faz tempo
Em setembro de 2009, a manchete do Jornal “O Dia” estampava: “BOPE ataca barricadas do tráfico com transformes”.
A manchete repercutia a aquisição de maquinário pesado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro para combater a ocupação do tráfico de drogas imposta nas favelas. O BOPE recebeu pá mecânica, retroescavadeira e trator para lidar com o aumento e sofisticação de barricadas. O Batalhão apelidou o maquinário de “Transformes Caveiras”.
Antes da aquisição, o BOPE utilizava equipamentos emprestados, o que limitava as ações do batalhão. A chegada dos novos equipamentos foi recebida com otimismo. O Tenente-Coronel Alberto Pinheiro Neto, ex-comandante do BOPE, declarou na época que havia sido uma investimento excelente e que iria “devolver às pessoas o direito de ir e vir”.
Os veículos, pintados de preto (cor símbolo do BOPE) foram blindados e eram utilizados para entrar como “abre-alas”, garantindo o livre acesso da polícia e na sequência o acesso também dos serviços públicos em geral.
Também estava prevista a aquisição de explosivos especiais para implosão de muros e bunkers. Apesar do otimismo com a chegada dos equipamentos, a utilização desta estratégia de limitação do ir-e-vir por meio de barricadas aumentou no número de comunidades e na velocidade com que são reconstruídas quando retiradas.
2 – Aumento na quantidade de denúncias
No início de setembro deste ano, o Disque-Denúncia anunciou o aumento de denúncias anônimas sobre a instalação de barreiras. De janeiro a agosto de 2018 foram recebidas mais de 4000 registros/denúncias.
O número é 25 % maior do que o mesmo período em 2017. Os locais com maior número de registros estão localizados na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense. As denúncias, além do fato da instalação das barreiras anunciam outro crime: a participação involuntária dos moradores. Os relatos dizem que os traficantes obrigam moradores a fazerem a instalação, cavando valas, colocando trilhos, construindo muros, entre outras formas de controle do acesso as comunidades
Vila Kenedy, que foi considerada pela intervenção federal como modelo da atuação do exército nas comunidades, tem apontado recordes de “reinstalação” de barreiras. Relatos de moradores falam que, em menos de uma hora após a saída das tropas, integrantes do tráfico impõem a ordem de relocação, utilizando concretagem para instalar trilhos de trem , toneis cheios de concretos e pneus.
Em Parada de Lucas, na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro, foram construídos brinquedos e mesas como se fosse uma área de lazer.
Entrevista
Entrevista com Elias, 32 anos, morador da comunidade de Vila Kennedy
Elias, o local onde você mora tem barreiras nas áreas de acesso?
Sim. Tem em quase toda comunidade. Tem nas vias principais, mas lá dentro também tem. Pelo que lembro, sempre teve. O que mudou com o tempo foi a forma como as barreiras são colocadas. Antes eram pneus, madeiras, coisas que a gente podia movimentar em caso de necessidade. Agora são concretadas. Só sai com trator e britadeira.
Quem instala essas barricadas?
É soldado do tráfico e morador mesmo. O pessoal do movimento manda principalmente os jovens fazerem de novo. E quando o tráfico manda a gente obedece. Agora com as operações do exército a gente já sabe: assim que o exército sair vão começar a reconstrução.
É o exército e o tráfico medindo forças e a gente no meio desse cabo de guerra. Às vezes acho que essa situação nunca vai acabar. A polícia entra prende ou mata um e outro, mas no dia seguinte tem outros com arma na mão. Mesma coisa com as barricadas.
Como você se sente com a barricada?
Eu tenho muita tristeza. Qualquer um que venha perto quando olha e vê as barreiras já fica com medo. Só frequenta a minha casa quem é daqui. Tenho medo de chamar gente de fora. Eu aviso muito meu filho para ele não trazer ninguém, mas não acho justo. Eu trabalho, pago imposto e tenho que viver preso?
Já teve gente que morreu porque a ambulância não entra. E se tiver um incêndio? Vi a tristeza com o incêndio do Museu e rezo para não ter coisa assim aqui. Por que aí vão chorar muita morte...
Entrevista com soldado da Polícia Militar, PM, 27 anos.
Você está na Polícia Militar há quanto tempo?
Entrei na corporação há dois anos.
Você participa de operações de combate ao tráfico?
Sim. Acho que todo policial participa. Não sou da patrulha de choque mas sempre somos chamados para dar apoio nas operações.
Nas operações você já viu barreiras?
Sempre. Desde lixo até trilhos fincados e concretados nos acessos. Dessa forma a gente demora a entrar com o efetivo completo e dá tempo deles fugirem.
E como vocês atuam com as barreiras?
Numa operação grande em que entramos de surpresa a PM retira. Quando é uma operação menor a PM articula com outros setores da Prefeitura e vamos dando segurança para retirada.
E como você percebe a efetividade da retirada das barricadas?
Quase nenhuma efetividade. Quando viramos as costas eles reinstalam. Mas mesmo sendo assim a polícia tem que atuar. Não tem como achar normal uma coisa dessas.