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Crack no Rio de Janeiro, levantamento de áreas de concentração de uso

O crack é uma droga estimulante obtida da pasta da cocaína misturada com outras substâncias, como bicarbonato de sódio e água. Solidificada na forma de cristais, a droga é fumada em cachimbos improvisados. Quando o composto é aquecido, ocorre um processo de decantação e a parte líquida é separada da sólida.

Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas de Drogas (Senad), além dos compostos básicos (pasta de cocaína, bicarbonato de sódio e água), são incorporadas diversas substâncias tóxicas para aumentar o rendimento. As mais comuns são cal, cimento, querosene, amônia, ácido sulfúrico, acetona e soda cáustica.

O crack tem efeito imediato, intenso e de curtíssima duração. O nome se origina do barulho de estalo do cristal de cocaína quando fumado. Enquanto a cocaína aspirada leva cerca de 15 minutos para produzir efeito, o crack leva de 8 a 15 segundos.

Os efeitos adversos do uso do crack também são maiores do que aqueles da cocaína e incluem irritabilidade, tremedeiras, taquicardia. Este mal-estar, segundo especialistas, leva o usuário a querer rapidamente fazer novo uso.

O crack é considerado uma droga barata e surgiu na década de 80, nos Estados Unidos. No Brasil, começa a aparecer na década de 90, em São Paulo, e no início dos anos 2000 chega ao Rio de Janeiro. Além do baixo custo e da maior facilidade de acesso aos produtos primários, o fato de poder ser feito em ambientes caseiros levou a uma rápida expansão no mercado de venda de drogas ilícitas. Este baixo custo fez com que a população usuária de drogas e em situação de maior vulnerabilidade econômica e social aderisse rapidamente ao seu consumo, mas o uso acontece em todas as classes sociais.

Levantamento

Em abril de 2018, o jornal O Globo divulgou levantamento feito pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SMDSDH) do Rio de Janeiro. O trabalho de campo foi realizado entre os últimos meses de 2017 e início de 2018. O levantamento identificou 150 locais de concentração de usuários que, no seu conjunto, reúnem um total de 1.939 pessoas. 

Nesse levantamento, a Secretaria de Direitos Humanos questiona a expressão “cracolândia”, usada na mídia em geral e por ela mesma em estudos anteriores, e passa a usar a expressão “pontos de uso”. A Secretaria explica que o termo “cracolândia” só deve ser usado em locais com concentração maior do que 400 pessoas usuárias de drogas, o que não se aplica em nenhum ponto de concentração do Rio de janeiro.

As áreas com maior concentração de pessoas usuárias de drogas apontadas no levantamento da Secretaria foram:

Centro – 327 pessoas

Copacabana – 116 pessoas

Bangu – 107 pessoas

Maré – 95 pessoas

Tijuca – 86 pessoas

 

Soluções apontadas

É consenso entre técnicos e instituições que a questão do crack é complexa, mas as formas eleitas para o enfrentamento do problema são distintas.

Para o ex-secretário municipal de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, titular da pasta na época do levantamento, a internação é uma “boa alternativa”. Ele ressalta, entretanto, que essa medida deve ser objeto de discussão entre técnicos das secretarias de Direitos Humanos e de Saúde, do Judiciário, do Ministério Público e Defensoria Pública. Defende a medida como necessária quando os usuários colocam a si ou aos outros em situação de risco e que a internação deve ser feita exclusivamente nas unidades de saúde e não em abrigos vinculados à Secretaria de Desenvolvimento Social.

A Defensoria Pública defende que a internação compulsória só deve ser usada como último recurso e que existem outros serviços e formas de tratamento que devem ser ofertados antes de se chegar a esse ponto. Ressalta ainda a importância da convivência social no tratamento e que a abordagem nesses casos deve ser intersetorial, com a presença de profissionais da Secretaria de Saúde e da Secretaria de Desenvolvimento Social.

O secretário aponta que o problema das cenas de uso também precisa ser avaliado considerando-se a perspectiva das pessoas que moram ou circulam nessas áreas, que não são usuárias e que às vezes são vítimas de dependentes que roubam para comprar drogas.

A Defensoria Pública responde que essas concentrações nos locais de uso seriam reduzidas se houvesse, de forma contínua e articulada, oferta de serviços públicos.

Entrevistas

Entrevista com Daniel, 23 anos, usuário de crack que circula na área da Avenida Brasil.

Daniel, quando e como você começou a usar crack?

Eu saí de casa com uns 12 anos. Eu apanhava do meu padrasto e achei melhor tomar meu rumo na vida. No início eu saía de casa, passava uns dias na rua e depois voltava. Foi na rua que comecei a usar crack. Antes só usava maconha e loló (inalante a base de éter). Acabei fazendo besteira na minha comunidade e não posso voltar. Se voltar, me matam. Aí passei a ficar aqui na rua direto. 

Você tem vontade de parar de usar?

Tenho sim. Já fui internado uma vez. Tem um pessoal da igreja que vem aqui e chama. Aí numa época eu tava doente e fui. Fiquei uma semana. No início era bom, mas eu sentia muita falta da rua e dos meus amigos. Aí fugi e voltei para cá. Aqui fiz minha família. Tenho mulher e amigos e vou levando.

O que você faz para sobreviver?

Eu cato lata com minha mulher.

O que você acha que devia acontecer para melhorar sua vida?

Parar de usar crack. Eu vou lá no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial da Superintendência de Saúde Mental, da Secretaria Municipal de Saúde). Lá tenho minha médica e faço tratamento. Minha mulher também vai. A gente tá na cabeça de ter uma casinha e sair dessa vida. tirando os documentos e vou trabalhar. Tenho fé em Deus que vou sair dessa vida de sofrimento. Mas só saio daqui com minha mulher. Quando sair, vou lá buscar minha mãe e dar uma casa para ela. Tenho essa ideia na minha mente...

 

Entrevista com Tânia, de 34 anos, educadora de abordagem na rua da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.

Como é o seu trabalho?

Eu sou educadora de abordagem do Centro Especializado de Assistência Social (CREAS). Trabalho cobrindo esse território da cracolândia da Avenida Brasil e as ruas aqui do bairro.

Eu venho aqui de segunda à sexta e já conheço todo mundo. Ofereço abrigo, levo para tirar documentos, levo na Clínica de Família e no CAPS.

E você vê resultado no seu trabalho?

Vejo sim. Já tirei gente daqui para o abrigo e converso muito, dizendo que eles podem ter uma vida diferente. Dou carinho e sinto que eles precisam de mim. Mesmo quando usam drogas, vejo eles cuidando da saúde, e aí vejo que faço o bem.

O que você acha que falta para melhorar o trabalho?

Eu queria que tivesse mais vaga em abrigo porque às vezes a gente pede e não tem. Também queria que os abrigos tivessem menos regras para ficar com as pessoas. A gente convence e leva. Chega lá botam tanta regra que eles não aguentam e voltam para cá. Aí os educadores falam para a gente: “Trouxe para quê? Esse aí não quer nada com a hora do Brasil”. Também queria que a saúde entendesse a vida dessas pessoas. Porque às vezes a gente leva na clínica e dizem que é emergência e tem que levar no hospital. Levamos no hospital e não conseguimos atendimento por que dizem que não é caso de hospital. É muito confuso.

 

Entrevista com Manoel, 53 anos, dono de um bar nas proximidades de uma cena de uso

Como é sua convivência com as pessoas que ficam na rua usando drogas?

Com os cracudos? É uma guerra. Eles fazem muita sujeira, brigam muito e ficam incomodando todo mundo que passa. O cliente para aqui e já aparece pedindo dinheiro. Mando embora e eles xingam... Acabo perdendo cliente.

O Senhor vê algum trabalho sendo feito com eles?

Vejo esses educadores da Prefeitura vindo aqui e indo embora. Não entendo porque não levam eles. Já perguntei e disseram que a pessoa tem que querer ir. E eu? Não posso querer?

 

Entrevista com D. Estela, 67 anos, moradora de Bonsucesso.

A senhora conhece as pessoas que fazem uso de drogas e ficam ali naquele grupo debaixo do viaduto perto da Avenida Brasil?

Conheço sim. Eles perambulam por aqui. Os vizinhos são muito revoltados com eles e fala de fazer maldade com eles.

E o quê a senhora acha?

Eu acho que eles são doentes. Ninguém com saúde ficaria morando ali. Tenho muita pena. Já perdi um filho para o álcool. Largou tudo e acabou morrendo. Era um menino de futuro e vi o que a droga faz. Rezo todo dia para Deus dar um caminho na vida deles.

A senhora não tem medo?

Deus sabe o que faz. Eu passo e falo bom dia e boa tarde. Acho que se você tratar com respeito eles respeitam. Quando algum deles fala algum palavrão ou desrespeita os outros, falo para ele parar que eu sou gente boa. Eu falo lá na Igreja que devíamos fazer um trabalho ali, mas as pessoas têm medo...Aí eu rezo para Deus ajudar e sempre que posso eu dou comida e água.