Educação em tempo integral
O debate sobre educação em tempo integral cresce muito em tempos difíceis como o que o estado do Rio está vivendo agora. Todos dizem que a escola em tempo integral é o melhor caminho para que os governos combatam a violência de forma eficaz.
Em 1983, o professor Darcy Ribeiro, então vice-governador do Rio de Janeiro, criou um grupo de professores para formular uma estratégia de Educação Integral. Nasciam ali os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps).
Com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, os Cieps deveriam oferecer ensino em horário integral com atividades culturais, esportivas e educativas.
A partir de 1985, os prédios dos centros começaram a surgir em todo o estado. Funcionando das 7h às 17h, o Ciep contava também com atendimento médico e odontológico. Os alunos faziam cinco refeições diariamente. E, no fim do dia, voltavam para casa já com banho tomado, numa época em que água canalizada era raridade nas favelas. Grande parte das comunidades contava apenas com uma única bica d’água, onde as mulheres iam encher baldes e latas para levar para casa.
O Ciep ainda promovia outra inovação fundamental com o projeto "pais sociais", em que crianças moradoras de rua passavam a morar em uma casa na escola com funcionários do estado como orientadores.
Os Cieps não foram um sonho. Efetivamente foram erguidas mais de 500 escolas em de tempo integral. Muitas tinham piscina que abriam nos finais de semana. O primeiro Ciep foi inaugurado na capital do estado do Rio de Janeiro, em 1985. Chama-se Ciep Tancredo Neves.
A proposta considerava a importância de um projeto pedagógico único, com a organização escolar padronizada, garantindo a mesma qualidade para todas as escolas.
Mas o projeto também sofreu muitas críticas, por exemplo, em relação às construções de arquitetura diferenciada e seus custos. Afinal, não era comum investir recursos para construir escolas públicas com qualidade.
Os Cieps surgem num momento de profundo declínio da educação pública e trazem a proposta inovadora de horário integral, integração de atividades de cultura, lazer, mais serviços de saúde e até a piscina. Mas o principal eixo do programa era proporcionar uma escola atrativa para os alunos e segura para os pais.
Em 1987, com o novo governo, agora sobre comando do PMDB, o programa dos Cieps foi interrompido. Em 1991, ele retoma, mas grande parte dos antigos Cieps de horário integral já estavam funcionando em três turnos, das 7h às 11h, das 11h às 15h e das 15h às 19h. Em 1995, com nova mudança do governo o programa é definitivamente encerrado.
Depoimento
Hoje, ao invés da entrevista, o Retrato da Intervenção apresenta o depoimento da professora Selma Fátima, diretora do Ciep Pontes de Miranda, em Moriçaba, Campo Grande, Zona Oeste do município Rio de Janeiro. A comunidade de Moriçaba, uma das mais conflagradas na região, foi urbanizada a partir da implantação Ciep, que é o centro da vida comunitária.
Na minha opinião, o Ciep foi a melhor escola criada. Uma escola popular de fato. Então, na minha avaliação, foi a melhor proposta popular para a população que dela necessita.
Quanto aos pontos positivos e negativos, eu quero destacar primeiro os positivos. O Darcy Ribeiro pensou em cada detalhe para oferecer à classe popular conforto, prazer, ensino de qualidade somado à oferta cultural e esportiva. Uma escola realmente de muita qualidade.
Como aspecto negativo, aponto a falta de manutenção na infraestrutura para fornecer condições de trabalho a um diretor de uma escola como esta. Com as condições atuais, ele tem que ser muito versátil e ter muitos parceiros para manter a escola como deve ser mantida.
Quanto ao desmonte dos Cieps, após os 33 anos desde que o primeiro foi implantado, eu acredito que a história nos mostra que as coisas mudam realmente aonde existe um Ciep gerido pelos técnicos pedagógicos como ele deve ser gerido. Nós aqui, em Moriçaba, estamos à frente deste Ciep há 25 anos. Uma área que inicialmente era conflagrada e nós percebemos a evolução da comunidade escolar com a riqueza de valores que os nossos ex-alunos adquiriram.
Em relação ao professor brasileiro e o desafio da escola integral, é bem verdade que para desenvolver um trabalho de qualidade, os jovens professores, recém-formados, precisam ser orientados e instruídos. Eles precisam ser capacitados sobre como se deve trabalhar no horário integral, como foi feito no início do programa do Ciep, por meio da Secretaria Especial. Havia seminários de acolhimento com duração de um mês para os empossados. E os diretores depois davam continuidade à formação, junto com a equipe técnica pedagógica, que também era preparada para ter condições de dar esta continuidade, levando ao crescimento de todo trabalho realizado.
Acho que a situação da educação para as classes mais populares teria mudado com a proposta da educação integral do professor Darcy Ribeiro. Por que mudou realmente enquanto o Ciep existiu. A nossa escola aqui só deixou de ser integral de fato quando entrou o último prefeito, anterior a este que está aí, e reduziu a carga horária para sete horas. Até ele, o nosso Ciep ainda era integral. E dá muita pena de ter sido interrompido, ter sido reduzida a carga horária.
Seria o ponto alto para um salto de qualidade na educação a proposta da escola em tempo integral, com profissionais de fato comprometidos para atuar nestas escolas.
Eu devo dizer que me sinto realizada e muito feliz em estar dentro de um Ciep que já foi de horário integral, mas que hoje, infelizmente só oferece sete horas. Mas, dentro daquilo que podemos, nós expandimos sempre o horário dos nossos alunos para que eles tenham as oportunidades do apoio cultural e esportivo. Então, procuramos promover - em alguns momentos, não o tempo inteiro, por que são vinte turmas e não temos pessoal - movimentos que tragam acréscimo pra eles e mais tempo dentro desta escola.
No ano passado, 2017, eu tive a alegria, em novembro, de ser escolhida, pela Secretaria de Comunicação da Prefeitura do Rio de Janeiro, como a diretora que iria responder a uma entrevista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul onde eles fizeram, por meio de um rádio documentário, o programa com o título “Haverá de amanhecer – 20 anos sem Darcy Ribeiro”. Tenho que dizer que realmente essa é a escola do presente e do futuro. Quisera que mais escolas como os Cieps estivessem com seu funcionamento a todo vapor, com horário integral, oferecendo cultura, esporte, tudo que vinha embutido no início do programa, para que os jovens e adolescentes não tivessem tempo de estar nas ruas ou prestando serviço para quem a gente sabe muito bem.
Então tenho a dizer que lamento o término das escolas de horário integral e que desejo que possam retornar. Seria muito bom para toda a sociedade e toda a população.
Poderia ter dado certo?
Sim, poderia. Sem dúvida. Mas o Ciep não foi considerado uma política de educação pública e sim um programa de um partido político. Não fosse a disputa política travada entre governos diferentes, poderíamos ter pavimentado outro caminho para crianças e adolescentes não só fluminenses, mas para todos os brasileiros.
Praticamente quatro gerações poderiam ter tido educação integradora, proteção social e familiar. Quantas histórias de vida na cidade e no estado poderiam ser diferentes? Muitas, milhares.
Não deu certo por egoísmo e por uma luta política que não foca o cidadão ou a cidadania, mas sim na eleição.