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Excludente de ilicitude

Começa a entrar em debate, no campo político, principalmente no estado do Rio de Janeiro, uma proposta que, em tese, daria aos agentes públicos de segurança respaldo em suas ações contra a criminalidade. 

Trata-se do excludente de ilicitude, que é previsto no Código Penal desde 1940. O excludente isenta de responsabilidade criminal os policiais que matam durante as ações policiais.

A proposta retoma a ideia das designações de “auto de resistência” e “resistência seguida de morte”, que foram abolidas pela Secretaria de Direitos Humanos do governo federal, em 2012, e substituídas por “homicídio decorrente de intervenção policial”.

O que é o excludente de ilicitude?

O Código Penal no art. 23 define que não há crime quando o agente da segurança pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

A legislação também prevê punição para o excesso:

“Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.”

O excludente de ilicitude seria aplicado, portanto, no caso dos agentes de segurança, quando no confronto com a criminalidade – “no estrito cumprimento de dever legal” – matam seus oponentes ou outras pessoas envolvidas na cena.

Especialistas no tema apontam a complexidade de estabelecer os limites da legítima defesa e do cumprimento do dever e principalmente de monitorar efetivamente a letalidade policial. Não existem números ou índices confiáveis, na medida em que até mesmo o registro das mortes por conflitos com policiais não são feitos adequadamente. Por exemplo, não consta nos registros da Saúde que a morte foi ocasionada por um policial.

Letalidade policial

A questão é que as forças policiais no Rio de Janeiro já apresentam um índice altíssimo de letalidade. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), em agosto último, 175 pessoas foram mortas por policiais, um aumento de 150% na comparação com agosto de 2017.

O Ministério Público do Rio de Janeiro não tem dúvida em apontar a presença mais efetiva das forças de segurança nas ruas como um dos elementos do aumento expressivo da letalidade.

No entanto, o mês com mais registros de mortes em ações policiais, em 2018, foi janeiro, antes da intervenção federal. Foram 157 mortes, o maior número desde 1998, período em que há dados disponíveis no ISP.

Mas o fato é que o número de casos mais que dobrou nos últimos cinco anos. Se, entre janeiro e julho de 2013, 236 pessoas foram mortas pela polícia, nos sete primeiros messes de 2018 foram registradas 895 mortes – um aumento de 279%. A média mensal que era de 33 mortes passou para 127.

 Retratos da Intervenção - excludente de ilicitude - mortes por intervenção.PNG

 

Retratos da Intervenção - excludente de ilicitude - gráfico mês.PNG

 

Modelo do confronto x modelo da investigação/prevenção

O modelo de segurança pública baseado no confronto armado, reafirmado pela atual tendência de não responsabilizar as polícias pelas mortes de civis durante intervenções policiais, tem como contrapartida uma proposta onde o foco da política de segurança está na investigação, na prevenção e na proteção da vida das pessoas. 

O documento “Homicídios no Rio de Janeiro: é possível reduzir, é possível prevenir!”, lançado em junho, no município do Rio de Janeiro, compilou propostas de organizações sociais e instituições com foco na prevenção, defendendo uma política de segurança pública baseada na proteção da vida das pessoas, com foco na prevenção e no respeito aos direitos humanos.

No que ser refere especificamente à questão da letalidade policial, o documento propõe:

“A Divisão de Homicídios deve ter recursos (humanos e financeiros) para investigar todos os homicídios decorrentes de intervenção policial. É preciso ainda retomar e ampliar o Programa de Controle do Uso da Força da Polícia Militar. No que diz respeito às mortes provocadas por policiais em serviço, o ISP deve discriminar a autoria de unidades especializadas, como BOPE, CHOQUE e CORE, além de adotar a terminologia “homicídios decorrentes de intervenção policial” nos registros de ocorrência e o Índice de Aptidão para o Uso da Força Policial, elaborado pelo LAV/UERJ (...).”

Entrevista

Entrevista 1 - Moradora de favela da Zona Norte do Rio de Janeiro.

A senhora nos disse que está “mais do que acostumada” com os tiroteios. É verdade isso?

Mas o senhor tá falando de um jeito aí que parece até que eu gosto. Não falei isso não. O que eu falei é que tiroteio tem aqui é quase todo dia. Uma semana sem tiro a gente até estranha. Tem que acostumar, né? Se não enfarta, morre do coração, sei lá.

A ação da polícia melhora a situação na favela?

Tá doida? Melhora como? Só piora. Eles matam os meninos que ficam aqui embaixo, esses garotos que se envolvem achando que a vida vai ficar boa, que vão tirar onda. E morre tudo que nem cachorro, nos beco aí da favela.

A senhora já perdeu alguém nesses confrontos?

Perdi um filho e dois sobrinhos. Fora os conhecidos, os meninos que a gente vi crescer. Meu filho e os sobrinhos tavam envolvido sim. Morreram de arma na mão. Mas era pra ser morto, com tiro na cara, ou era pra ser preso?

A gente agora tá nessa situação, todo mundo vai para guerra, todo mundo quer matar. Os meninos tão aí sabendo que se a polícia pegar vai matar, então partem pra briga também.

A senhora conhece alguém que morreu e não era do tráfico?

Conheço pelo menos uns três! Polícia vê negro, sem camisa, na favela, diz logo que é bandido. Atira e mata, pra depois saber que era estudante, trabalhador. Mas tem justiça pra polícia? Tem nada! Eles só fazem é voltar pra matar mais.

Entrevista 2 – Policial do BOPE, 34 anos.

O senhor já matou traficantes em operações nas favelas?

Claro que sim. A gente entra sabendo que vai ter baixa, e focado para que as baixas sejam do lado de lá.

Já matou inocentes?

Não tem inocente na rua quando estamos em ação. Isso é uma falácia, uma forma muito covarde e negativa de avaliar nosso papel nessa guerra.

A gente entra para combater a criminalidade, os moradores sabem que vai haver confronto. Trabalhadores e mães de família se recolhem e recolhem os seus. Quem vai para a rua, para aqueles becos e vielas está cumprindo um papel.

Mas como é que o senhor pode saber, se a pessoa, por exemplo, não estiver armada?

A senhora pode imaginar o que é entrar numa dessas favelas para enfrentar traficantes que estão lá entrincheirados, protegidos por aquela geografia que lhes favorece? É muito fácil dizer que a gente, no olho do furacão, vai ter que discernir o grau de periculosidade do sujeito que aparece ali, naquele momento de confronto... qual o soldado que para e pergunta “você vai me matar?” ou “você é o inimigo?”

Não caberia às forças policiais ter estratégias mais eficientes para evitar tantas mortes?

Temos as estratégias que podemos ter hoje. Combatemos do jeito que hoje é possível e considero que temos avançado. Em toda guerra há mortes. E às vezes morrem inocentes. Mas volto a dizer que os moradores sabem quando vai haver uma ação policial. Não tem inocente na rua.

E outra coisa que acho importantes dizer é que nosso trabalho deveria receber muito mais apoio da sociedade. Estamos cansados de arriscar nossas vidas - somos pais de família, filhos, irmãos – e ainda ter que ouvir esse tipo de crítica que a imprensa traz. Estamos em risco o tempo todo, mesmo quando fora do serviço. E estamos cansados.