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Favelas cariocas

 

As favelas, ou assentamentos populares urbanos, sem dúvida concentram os maiores registros de homicídios e delitos em todo o país. Mais do que os índices de violência, esses espaços convivem com a pobreza e a precariedade de serviços públicos, tornando-se verdadeiras expressões da desigualdade social.

A ausência do Estado e as condições estruturais e geográficas das favelas permitiram a expansão do tráfico de drogas e outras atividades ilegais. Não é à toa que os indicadores de morte por causas violentas nas favelas são similares aos que se registram em guerras.

A favela na cidade do Rio de Janeiro

O Morro da Providência, localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro, abriga a favela mais antiga do país. A comunidade teria surgido a partir da sua ocupação por soldados vindos da Guerra dos Canudos, em 1897, que reconheceram, lá também, uma planta típica do sertão baiano – a favela.

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Imagem Morro da Providência, início do século. Arquivo da Cidade

O Censo de 2010, IBGE, levantou 763 favelas na cidade, que abrigam 22% da população da cidade do Rio de Janeiro. O que faz da capital fluminense o município brasileiro com o maior número de moradores em favelas: 1.393.314 habitantes. A região metropolitana reúne 1.702.073 pessoas morando em favelas, o que corresponde a 14,4% da população da região.

As favelas cariocas apresentam aspectos que as diferenciam daquelas do restante do país. Existem os denominados “complexos de favelas”, que são aglomerados de vários assentamentos subnormais próximos, que acabaram por se conurbar, um fenômeno mais raro no restante do país. Outra característica das favelas cariocas é a sua proximidade de áreas nobres e centrais, o que cria um forte contraste social.

De acordo com o IBGE (2010), entre os seis maiores aglomerados do Brasil, com mais de 50 mil habitantes, dois eram cariocas e ocupavam a primeira e a terceira posição: a Rocinha, com 69.161 habitantes; e Rio das Pedras, 54.793 habitantes.

Um olhar sobre as favelas

O Instituto Data Favela, primeiro instituto de pesquisa e estratégias de negócios focado na realidade das favelas brasileiras, lançou, em 2014, o livro Um País Chamado Favela, trazendo dados sobre um grupo de favelas no Rio de Janeiro. 

O livro trazia os resultados de uma pesquisa que entrevistou 2 mil moradores de 63 favelas do país entre julho e setembro de 2013, depois de treinar moradores de comunidades para participar da formulação e da aplicação do questionário. "Não basta produzir números sobre a favela, é necessário que ela produza e interprete esses números", ressaltou Renato Meirelles, autor do livro. E a pesquisa revela dados bastante interessantes.

Dois milhões de moradores das favelas do Rio formariam o sétimo maior município do Brasil, com uma população maior do que capitais, como Manaus, Recife, Curitiba e Porto Alegre. De acordo com a pesquisa publicada no livro, o Rio de Janeiro é o único estado da região Sudeste a ter mais de 10% de pessoas morando em favelas. A média de idade desses moradores é de 36 anos. 

A pesquisa também perguntou sobre o nível de escolaridade dos moradores. No total, 3% não são instruídos e 27% possuem o ensino médio completo. A pesquisa aponta que 1% dos entrevistados completaram a faculdade e 4% possuem ensino superior incompleto.

Ainda segundo os dados coletados pelo instituto, 94% das pessoas que moram nas comunidades são felizes, otimistas e existe envolvimento emocional. O levantamento aponta ainda que dois terços não sairiam do lugar onde vivem mesmo que sua renda dobrasse. Sair da favela não é o desejo de 66% dos entrevistados, e 94% se consideram felizes, um ponto percentual a menos do que a média nacional, segundo o Data Favela.

O custo de vida também é mais barato. Além disso, 30% dos moradores de favelas brasileiras já sofreram preconceito; 59% dos moradores das comunidades concordam que quem mora em comunidades da periferia é discriminado. Para 32% dos que se disseram vítimas de preconceito, a cor da pele foi a motivação e, para 30%, morar em uma favela foi o motivo. Para 20%, o preconceito decorreu da falta de dinheiro e, para 8%, das roupas que vestiam.

A pesquisa mostra também que 37% dos moradores de favela já foram revistados por policiais, proporção que chega a 65% quando se trata de jovens de 18 a 29 anos. Entre os que já foram revistados, a média chega a 5,8 abordagens na vida. Em relação à pacificação, 75% dos moradores de favela são totalmente ou parcialmente favoráveis. Na avaliação de 73% dos moradores, as favelas são violentas, sendo que 18% as consideram muito violentas. Para mais de 60%, no entanto, a comunidade teria melhorado nos anos anteriores à pesquisa (2014), e 76% acreditavam que iria continuar melhorando no futuro.

Entrevistas
Entrevista 1 - D.Josefa, moradora do Morro da Providência

D.Josefa, a senhora mora aqui há quanto tempo no morro?

Estou aqui há 30 anos, cheguei do norte com os filhos pequenos, e criei tudo aqui.

Mais porque veio morar aqui?

Foi porque já tinha parentes aqui. Sabe como é, minha filha, somos pobres, e não tinha como morar em outro lugar.

E nunca pensou em sair daqui?

Em alguns momentos sim, por causa da violência, e também somos olhados de lado quando dizemos que moramos no morro, as pessoas tem muito preconceito com o favelado. Mas também não teria condições financeiras de viver em outro lugar, aqui tudo é mais barato.

Mas como é a convivência com as pessoas que moram no morro?

É muito boa, eu tenho um sentimento por essa comunidade, aqui fiz muitas amizades, apesar de tudo, aqui nos ajudamos, a vizinhança até briga, mas depois já estamos juntos, é muito bom.

E a violência? Não lhe assusta?

Misericórdia! Assusta muito. Mas eu tenho pra mim que aqui a gente tem mais sorte. Não é como esses outros lugares que a gente vê falar no jornal.

Entrevista 2 – Marta, 24 anos, moradora da Mangueira

Seus avós, seus pais, você e seus filhos sempre viveram na Mangueira?

Não. Meus avós vieram de Minas Gerais. Migraram para cá nos anos 50. Tanto por parte de mãe, quanto de pai. Vieram da área rural de Minas para trabalhar aqui.

E desde então sua família mora aqui?

Isso. Minha mãe e pai nasceram aqui. Eu e meus irmãos. E agora meu filho vai ser criado aqui também. Essa é a nossa terra, a nossa casa. 

Mesmo com tantos problemas? Tráfico, falta de serviços...

Mesmo assim. Porque aqui está a nossa história. A nós cabe lutar para conseguir melhorias e fazer desse lugar um lugar digno para viver.

Você está estudando a história da Mangueira, não é?

Estou terminando o mestrado de história. E minha tese é sobre a Mangueira. Não a escola de samba, mas a favela. Porque aqui tem muito história, além do samba. E também além da violência, do tráfico de droga, da polícia que entra para matar bandido e morador. Acredito que quando o morador se apropria da sua história, da sua terra, ele passa a exigir seus direitos com mais clareza.