Seu browser não tem suporte a javascript!

Impacto da violência em um Centro de Referência Social Especializado em Assistência Social/Creas

Centro de Referência Social Especializado em Assistência Social (Creas)

O Creas oferece serviços especializados a famílias ou pessoas que vivem alguma situação de ameaça ou violação de direitos. O centro recebe pessoas vítimas de violência física, psicológica ou sexual, idosos explorados ou negligenciados, pessoas em situação de rua e adolescentes que cometeram infrações e estão cumprindo medidas socioeducativas.

A equipe é necessariamente formada por assistentes sociais, psicólogos e educadores e muitas vezes conta com advogados.

Há casos em que os atendimentos ocorrem nos domicílios e mesmo nas ruas; e como envolvem situações de risco de vida, precisam ser feitos com agilidade. A demora em um atendimento pode representar a morte de uma criança ou de um idoso.

Os creas trabalham diretamente ligados ao Ministério Público, pois seus casos envolvem violação de direitos que geram processos legais de apuração de responsabilidades.

No Rio de Janeiro, onde os índices de violência vinham crescendo, o trabalho nos Creas ganha cada vez mais relevância e urgência, já que se localizam em áreas de alta vulnerabilidade social.
  
Atividades desenvolvidas no Creas que trabalham o cotidiano de violência

Fomos ao Creas Maria Lina, localizado na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. A região é composta por 18 bairros e tem muitas comunidades de baixa renda. As comunidades mais conhecidas são Rocinha, Vidigal, Dona Marta, Chapéu Mangueira, Tabajara entre outras.

A equipe realiza o atendimento envolvendo escuta e acolhimento do caso no próprio equipamento, já que o centro conta com salas para atendimento de grupos e salas para atendimento individual. Mas, muitas vezes, precisa ir aos domicílios para atender uma denúncia de violação, uma pessoa que tem dificuldade de locomoção ou conhecer o ambiente em que a pessoa vive e verificar condições de moradia.

O aumento do número de casos faz com que o Creas tenha cada vez menos espaço em sua agenda para trabalhos em grupo. O Creas Maria Lina recebeu no último mês 180 denúncias de pessoas em situação de rua, idosos em situação de exploração e cárcere privado, mulheres vítimas de violência doméstica.

O trabalho de averiguação de denúncias provoca alta ansiedade na equipe. Implica visitar locais, sejam domicílios ou rua, que não são conhecidos, correndo o encontro não apenas com a pessoa violada mas também com seu violador.

O atendimento no equipamento também expõe a equipe a situações arriscadas. O serviço é aberto a qualquer pessoa e não são exigidos documentos de antecedentes criminais ou situação de sobriedade. Por vezes, o usuário que relata uma violação de direitos, como, por exemplo, estar em situação de rua, também é violador e possui mandados de busca. Também ocorre de o usuário se encontrar intoxicado pelo uso do álcool ou droga e reagir a qualquer intervenção com violência.

Além de atender as denúncias, o serviço precisa cumprir sua agenda de acompanhamento e produção de relatórios, com uma média de 400 casos mensais. Os relatórios são a base central dos processos judiciais que são criados para busca de responsabilização das pessoas que praticam os crimes de violações.

O Creas também precisa ter ações de mobilização e articulação das políticas setoriais locais envolvidas no atendimento das pessoas - escolas, delegacias, centros de saúde mental, hospitais, entre outros.
 

Creas 1

Trabalho de abordagem na rua realizado
Fotos de Cleo de Moraes

Creas 2

 

Creas 3

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Riscos diários dos trabalhadores

 Além da violência dos casos, a equipe enfrenta a violência do território nas ruas e nas comunidades.
Para entrar em uma comunidade, a equipe precisa avaliar as condições de segurança do local e especificamente do caso em questão, pois pode acontecer de a violação envolver pessoas do tráfico e/ou da milícia.

São muitas questões que aparecem no dia a dia do trabalho. Como agir em um situação de tiroteio, por exemplo? As situações de confronto armado em comunidades têm aumentado nos últimos anos e implicado em interrupção de atendimentos ou extrema tensão nesses trabalhos.

A equipe não conta em sua formação acadêmica com conhecimentos de ações que a protejam das situações de violência. São comuns casos de depressão e síndrome de pânico nos profissionais, tanto pela exposição ao perigo como pelo aumento na complexidade dos casos.

A gravidade dos casos muitas vezes envolve a escuta e a necessidade de tomada de decisões drásticas, como afastamento de crianças de seus pais - quando estes são autores de violência e abuso sexual; afastamento de idosos de suas casas quando estes são explorados ou já não conseguem seguir suas vidas com autonomia. São decisões drásticas que o técnico é instado a tomar.

Não há na organização da Secretaria Municipal de Assistência Social oferta de serviços de acolhimento dos técnicos, nem no sentido de compreender o estresse diário no trabalho nem nos casos de envolvimento em tiroteios ou ameaças. O técnico que desenvolve algum tipo de fobia ou depressão funcional, ocasionada pelo seu trabalho diário, deve procurar apoio fora da política de assistência social.

Nem mesmo a quantificação dessas situações de convívio direto com a violência é feita. O planejamento das estratégias a serem tomadas para continuidade do atendimento nos territórios onde há situação de confronto armado é feito pela equipe ou, em alguns serviços, solitariamente pelo próprio técnico.

Conversamos com uma assistente social de 54 anos trabalhadora de um Creas da cidade do Rio de Janeiro, que pediu para não ter sua identidade revelada.

Há quanto tempo você trabalha no Creas?
Trabalho há 7 anos.

O que você faz exatamente no Creas?
Eu comecei atendendo crianças vítimas de abuso sexual. Fiz esse trabalho durante dois anos, mas não aguentei.

Na maior parte dos casos o abuso era praticado por um familiar e, além de viver o trauma do abuso, eu via a fragilidade da família para apoiar a criança. Muitas vezes o abusador era o provedor da família, e a mãe ficava dividida com medo de perder o companheiro e a sobrevivência. Às vezes culpava a criança ou o adolescente.

As situações foram me deprimindo e sentia que o que eu fazia era muito pouco. Não via resultados. Precisei fazer terapia para entender que eu não podia me responsabilizar pelo caso.
Achei melhor sair desse tipo de atendimento e fui trabalhar com adolescentes que cumprem medida socioeducativa por terem cometido crimes.

Como você lida com as situações de violência nas comunidades onde tem que realizar visitas?
Eu procuro antes de ir ao local perguntar como está a situação para alguém que mora lá. Mas nem sempre adianta. Às vezes estamos dentro da favela e o tiroteio começa. Aí procuro ficar abrigada e só sair quando acaba.

Você já recebeu algum treinamento de como lidar com esse tipo de violência?

Não, nunca. Fui aprendendo no dia a dia. Os próprios usuários do serviço é que me ensinaram muito. Aprendi a olhar se tem gente na rua, se o comércio local tá funcionando normalmente. Se não estiver, não subo.

O que precisa melhorar?
O serviço é insuficiente. Insuficiente em quantidade, pois são poucos profissionais. Além de sermos poucos, temos poucos recursos quando tem que dar alternativa, por exemplo, de moradia a um idoso que não consegue mais viver em sua casa, quando percebemos que uma família de uma criança abusada sexualmente não tem alternativa de renda para se afastar do abusador. As vagas, quando existem, são poucas.

Também acho que precisávamos ter uma supervisão no trabalho que discutisse com a gente o impacto que a convivência diária que temos com a violência tem sobre nossas vidas e trabalho.
Às vezes, quando estou dentro de uma favela e começo a escutar tiroteio, nem paro o que estou fazendo. Virou normal. Eu naturalizei. E não acho que isso seja bom.

Como vamos cuidar se não somos cuidados?
 
Entrevista 2 - Caroline de 32 anos, ex-presidiária moradora da favela da Rocinha. Caroline pediu para não ser identificada por questões de segurança

Você conhece o Creas?
Conheço. Uma vizinha me falou do Creas. O filho dela foi pego roubando e foi preso. Ele ficou preso um tempo e depois teve que ir para o Creas. Ele vai lá toda semana assinar presença. Lá, a assistente social encaminhou para a escola e conseguiu um curso. Eles também ajudaram minha amiga na situação da mãe que está doente. Eles conseguiram uma pensão para ela. 

Você já procurou o Creas?
Então... Quando minha vizinha contou o que a assistente social fez por ela e pelo filho eu pensei em ir lá pedir ajuda. Eu fui presa cinco anos atrás por tráfico. Fui solta há uns seis meses. Desde que saí, estou tentando arrumar emprego, mas não consigo nada. Se está difícil para gente “normal”, imagina para mim, que já fui presa?

Já tentei em lanchonete, casa de madame .... Mas não consigo nada. Aí, pensei em ver se a assistente social me ajudava. Fui lá um dia, mas quando cheguei vi as pessoas na fila esperando e achei que não era para mim. Tinha mendigo e menino de rua. Enquanto esperava, vi entrar um cara que conhecia do “movimento” (tráfico de drogas). Não tive coragem de esperar. Achei que aquele lugar não era para mim.

Minha amiga falou que é assim mesmo, mas que eles podem ajudar e que ia falar com a assistente social dela para me ajudar. Tô esperando ela falar.

Como você acha que o Creas pode te ajudar?
Acho que podiam me ajudar a arrumar um emprego, a fazer um curso... Eu não quero voltar para o crime, mas é o que sei fazer.