Impunidade
Impunidade
Em diversos debates sobre segurança pública, a questão da impunidade aparece como uma das maiores causas dos índices alarmantes de violência no país. Muitos defendem a tese de que é preciso endurecer as penas e punir os infratores com mais rigor, para desestimular a criminalidade.
No entanto, no Brasil, o sistema de justiça criminal não consegue avançar nos processos de investigação, de produção de provas e mesmo nos processos contra infratores. Esta é a conclusão do acompanhamento, feito pelo Monitor da Violência, de 1.195 homicídios, durante um ano.
O Monitor da Violência é um aplicativo, criado por meio da parceria entre o site G1, o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que busca qualificar o debate público com o objetivo de promover a discussão sobre a violência no Brasil com base em dados. Une jornalismo e pesquisa científica, contribuindo a produção de um quadro mais claro e ampliado sobre violência e criminalidade.
Os números da impunidade
O Monitor da Violência acompanhou, durante um ano, 1.195 casos de homicídios cometidos entre 21 e 27 de agosto de 2017. A análise dos dados levantados mostra que mais de 680 casos ainda estão em andamento e, em 506, a autoria do crime é desconhecida.
Além disso, mesmo tendo identificado os autores dos homicídios em 469, apenas 215 deles foram presos. Em 57% dos casos ocorridos naquela primeira semana de monitoramento, em 2017, as polícias estaduais não conseguiram chegar sequer ao nome de um único suspeito.
O que o material divulgado pelo Monitor revela é que as políticas de segurança pública no Brasil não são funcionais. O Monitor da Violência aplica o indicador utilizado pelo Instituto Sou da Paz, de São Paulo, para avaliar a efetividade de uma investigação criminal de homicídio, que é a taxa de esclarecimento, que corresponde à relação entre o número de denúncias oferecidas e o de crimes registrados.
Para o Brasil, aplicando esse método, o Monitor da Violência chegou à taxa média de esclarecimento de homicídios de 22,4%. Ou seja, a cada dez homicídios, apenas dois geram uma denúncia capaz de chegar a uma condenação no Tribunal do Júri.
O levantamento dos casos que foram efetivamente julgados durante o ano da pesquisa revela que houve apenas 30 julgamentos, o que corresponde a pouco mais de 2% dos casos.
O levantamento divulgado pelo Monitor em agosto último revela que, dos 1.195 homicídios, existem:
- 687 casos em andamento (57,5% do total de casos);
- 424 casos concluídos (35% do total);
- 104 suicídios;
- 506 casos com autoria desconhecida (em 116, não há informação sobre isso);
- 469 casos com o autor ou os autores identificados pela polícia;
- 215 casos com prisão de um ou mais suspeitos (menos de 20% do total);
- 230 casos em que os autores já respondem a processo na Justiça;
- 30 casos foram a julgamento (destes, 23 acabaram com uma condenação)
Rio de Janeiro
O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, utilizando o mesmo indicador do Sou da Paz aplicado para o Brasil, apresentou em um ano (agosto de 2017 – agosto de 2018) uma taxa média de esclarecimento de homicídios de 8,3%. Em números absolutos: apenas sete denúncias dos 84 casos de homicídios acompanhados pelo Monitor foram esclarecidos.
A questão do número de profissionais disponíveis para atuarem na solução dos crimes é um problema. Desde a investigação inicial, que exige peritos, pessoal para identificar testemunhas, agentes especializados em garantir a preservação da cena do crime, o problema da falta de pessoal aparece como ponto crítico na garantia de uma investigação bem-sucedida.
Desafios
É preciso fortalecer institucionalmente as polícias judiciárias, suprindo ferramental básico para o trabalho e também modernizando seus métodos.
Profissionais das diversas áreas envolvidas na investigação criminal concordam que se as polícias – civil e judiciária - não tiverem acesso a condições operacionais adequados, dificilmente poderão evoluir no sentido de apresentarem resultados melhores.
Os números divulgados pelo Monitor da Violência revelam que a punição do homicida é dificultada não só no início da investigação, com suas fragilidades, mas segue por todo o sistema judiciário.
Entrevista
Delegado de Polícia da Zona Norte do Rio de Janeiro
Por que é tão difícil encontrar o agressor?
Bom, primeiro a gente tem que relativizar isso aí. Tem casos e casos. Esses números que a senhora falou... duvido um pouco de tamanha incompetência.
O senhor não acredita que a polícia está tendo dificuldade nas investigações?
Aí não se trata de acreditar. Eu sei que estamos tendo dificuldades! Meu Deus do céu. Claro que sim. Eu só estou dizendo que não é possível que entre 10 casos de homicídio só dois vão levar a prisão do culpado. Então nós falimos!
Mas os números existem.
Olha, eu sei o que são as dificuldades. Pra gente, na delegacia, falta absolutamente tudo. Os meus computadores aqui são carroças, uma coisa do tempo do ronca... Faltam viaturas, faltam peritos para que a gente consiga extrair o melhor da cena do crime.
Se eu lhe disser que vim de uma delegacia que quando chovia inundava, de tanta goteira, chão desnivelado.
É fácil criticar, difícil é consertar. Isso aqui não é filminho da TV não. É vida real. E a verdade é que o estado do Rio quebrou, foi destruído. E as delegacias estão sucateadas.
Então, o trabalho é difícil mesmo. As condições prejudicam os resultados, não é?
Claro que sim. Mas a gente fica chateado de ver esses números aí. Parece que a gente não tá aqui trabalhando. Mas estamos. E muito. Correndo riscos, ganhando mal, sendo mal vistos pela sociedade. E é verdade também que a gente prende e a Justiça solta. Não tem proa suficiente, isso e aquilo. Não tá mole não, viu? Tenho companheiro aqui vivendo à base de Rivotril para aguentar esse tranco. A gente tem vontade de desistir.