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Intolerância Religiosa

Em maio deste ano, o Centro Espírita Caboclo Pena Branca, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, foi vandalizado e chegou a ter alguns quartos incendiados. Imagens de santos foram quebradas e uma frase pichada na parede deixou um alerta: “Fora macumbeiros, aqui não é lugar de macumba”. A Cidade do Rio de Janeiro tem presenciado cenas de violência e depredações contra pessoas e templos religiosos de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda. Nos últimos dois anos, pelo menos oito terreiros foram depredados em Nova Iguaçu. Os bairros com o maior número de atos de vandalismo foram Cabuçu e Parque Flora. O motivo é torpe, pois tem profunda raiz em preconceitos, falta de conhecimento e respeito à liberdade de expressão de pessoas que professam diferentes crenças e religiões. São atos de intolerância religiosa. 

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1- Os números da intolerância

Em matéria publicada pela Agência Brasil, os casos de intolerância religiosa no Estado do Rio de Janeiro no período correspondente aos meses de janeiro a março de 2018 tiveram um aumento de 56%, comparando ao primeiro trimestre do ano de 2017.

De acordo dados da Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos, SEDHMI, houve um aumento de 16 para 25 denúncias no mesmo período. Ainda segundo a secretaria, do início de 2017 até o dia 20 de abril deste ano, foram contabilizados 112 casos.

O município do Rio aparece com maior número de denúncias, 55%, seguido por Nova Iguaçu e Duque de Caxias, ambos na Baixada Fluminense, com 12,5% e 5,3%, respectivamente. De acordo com as denúncias, o tipo de violência mais praticado é a discriminação, com índices de 32%, seguido de depredação de templos e imagens, com 20%, e difamação, com 10,8%. Os maiores alvos são a religião do candomblé, com 30% e, a umbanda com 22%. Os dados mostram também que, do início de 2017 até o final do mês de abril, houve 112 denúncias, e mais de 900 ações de atendimento. 

De acordo com o representante da Coordenadoria de Defesa e Promoção da Liberdade Religiosa, é preciso denunciar para que os órgãos de segurança sejam informados. Com os registros é possível dar visibilidade as ocorrência, disponibilizando informações concretas para a sociedade, afim de mobilizar e chamar atenção para a prática desses crimes. 

2– Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, Decradi.

Em agosto desse ano foi inaugurada a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, Decradi. A delegacia, vinculada à estrutura da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, foi criada por meio da Lei 5.931/11, de autoria do deputado estadual Atila Nunes, para investigar ocorrências nos casos de crimes de preconceito racial e de intolerância. Segundo o decreto de criação da Decradi, foram consideradas “as políticas públicas efetivadas pela União e pelo estado do Rio de Janeiro para o enfrentamento de casos de racismo, xenofobia, intolerância religiosa e demais formas de discriminação”. A Decradi surge também como uma resposta às demandas do Observatório de Direitos Humanos da Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, ObservaRio, do Ministério dos Direitos Humanos. O observatório monitora as atividades da intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro.

Em janeiro desse ano foi também sancionada a Lei 7.855/18, de autoria dos deputados André Ceciliano e Carlos Minc. A lei determina que as ocorrências policiais motivados por intolerância religiosa deverão ser registradas obrigatoriamente sob o artigo 208 do Código Penal brasileiro. O artigo define como crime “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou pratica de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso.”

A Lei 7.855 determina que os crimes contra intolerância religiosa serão tipificados, cabendo às delegacias do Estado do Rio classificar como casos de intolerância religiosa aqueles em que os praticantes de crenças forem vítimas de agressões por preconceito, com penalidades de até 20 mil reais para líderes religiosos ou representantes de instituições que incentivem atos de intolerância contra outra fé. O deputado Carlos Minc apontou, ainda, a importância da lei para o registro e análise de dados sobre intolerância religiosa: “Atualmente, o caso de um pessoa agredida em função de sua religião consta no registro de ocorrência como uma agressão comum. Registrando o fato por intolerância, o ISP (Instituto de Segurança Pública) fará a estatística e conseguirá propor políticas públicas de prevenção. Dessa forma nós conseguiremos pautar ações efetivas para acabar com esse massacre que vem ocorrendo no estado.”  

Entrevista  com um pai de santo, dono de um terreiro em favela do município do Rio.

O senhor está há quanto tempo aqui?

No Rio de Janeiro estou há 40 anos. Na comunidade, há 25. Esse terreiro tem história. Muita gente já saiu daqui com seus milagres, com a vida resolvida. Tenho muito orgulho dessa minha casa, ouviu? Muito orgulho.

Mas o senhor também estava me dizendo que o centro já foi mais respeitado...

O terreiro já foi mais respeitado. Aqui tinha um terreiro em cada caminho. Acabou isso. A igreja varreu tudo. Mas Deus está em todo lugar. Tá aqui e está lá. Reze sua reza. O problema é a perseguição, né?

A perseguição aos centros?

Aos terreiros... Aqui já teve parede quebrada, parede pichada, imagens sagradas e potes de abô quebrados. Até um tempo atrás, eu nunca precisei trancar porta de terreiro. Nunca. Agora tem que ter corrente, cadeado... São os Pentencostais. Eu sei quem são, esses mais fanáticos... eles acham que vão para o céu assim.

O senhor já foi alguma vez registrar o que aconteceu, dar queixa?

Não fui não. Primeiro, porque eu nunca acreditei em polícia. E depois, ainda há o risco de chegar lá e ser desrespeitado. Eu não preciso passar por isso não. 

Mas o senhor até sabe quem são!

Melhor deixar isso quieto. Agora, até bandido de fuzil na mão acha que tem mais Deus do que os outros... Tem gente que já mandou recado dizendo que vai quebrar o assentamento de ogum, esse aí.  Eu tô aqui esperando ele vir, né? Tô esperando... 

O senhor não tem medo?

Mas nem! Tenho medo de nada não. Nem da morte, porque eu sei os caminhos que vou! O que eu sei, é que esse mundo virou todo, tá tudo invertido. Tudo de cabeça pra baixo, virado aí pelos lados... Mas daqui a pouco vai ajeitar. Vai sim.