Levantamento sobre Raça, Idade e Gênero na Violência Fluminense
Quem são as maiores vítimas da violência no Brasil?
Entender os principais alvos da violência nos ajuda a construir melhores formas de enfrentá-la. Há muito se vem apontando a configuração racial na análise das vítimas da violência. Os mais recentes estudos mostram que a população negra, jovem e de baixa renda constitui a maioria das vítimas de morte violenta no país.
Em 2015, a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) publicou um estudo nomeado Mapa da Violência, que analisava a evolução dos homicídios por arma de fogo no Brasil. O Mapa da Violência estudava a incidência de fatores como sexo, raça/cor e idade das vítimas de assassinatos por arma de fogo. O resultado foi o seguinte retrato: no grupo de 16 e 17 anos, morreram por homicídio, proporcionalmente, quase três vezes mais negros do que brancos.
O que dizem os dados
O Atlas da Violência 2017 fez uma análise da evolução de homicídios no Brasil entre 2005 e 2015 a partir de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. Nessa análise estatística, constatou-se que a população negra corresponde à maioria (78,9%) do grupo com mais chance (probabilidades estatísticas) de ser vítima de homicídios.
Dados referentes a 2016, divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do estado do Rio de Janeiro, no último dia 2 de abril, confirmam os resultados do Mapa da Violência. Foram encontrados os seguintes dados no perfil das vítimas de grupos vulneráveis:
Homicídios decorrentes de oposição a instituição policial: 925 vítimas
Classificação por Gênero
Classificação por Raça
Classificação por Idade
Homicídios Dolosos: 5.042 vítimas
Classificação por Gênero
Classificação por Raça
Classificação por Idade
Encontro de Cadáver (corpos e ossadas sem definição da causa da morte):
Classificação por Gênero
Classificação por Raça
Classificação por Idade
Latrocínio (roubo seguido de morte):
Classificação por Gênero
Classificação por Raça
Classificação por Idade
Percebe-se que há no dado de homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial um retrato bastante pronunciado. Morrem homens (96,86%), negros e pardos (77,41%) e jovens (15 a 25 anos – 74,2%).
Nas vítimas de homicídio doloso, o retrato ainda é majoritariamente masculino (87,78%) e formado por negros e pardos (67,22%). O número de jovens é expressivo (15 a 25 anos, 42,08%), mas não majoritário.
Nos casos de latrocínio, o retrato das vítimas permanece masculino (89,12%), com maioria de negros e pardos (56,44%). No recorte etário, verifica-se que os números se diluem para a faixa economicamente ativa de 21 a 65 anos, sem grandes concentrações.
Nos dados sobre cadáveres encontrados, sem reconhecimento, o retrato continua sendo predominantemente masculino (77,63%), negro e pardo (47,74 %) já que em 5,86% dos casos não houve especificação do gênero.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado, criada em 2015, publicou relatório que aponta a morte por assassinato de cerca de 50 mil pessoas/ano, sendo que destas 93% era composta de homens e quase 50% é de jovens entre 16 e 17 anos. Destes, os negros e pardos representam uma quantidade três vezes maior do que os brancos.
Grande parte destes jovens está incluída na categoria “nem/nem”, isto é, não trabalha nem estuda.
Mudar o retrato da violência implica não apenas reduzir números absolutos. É preciso revelar as cores e idades para que a mudança caminhe também para a construção, ampliação e a qualificação de políticas afirmativas para estes jovens que são as maiores vítimas da violência no País.
Entrevista
O Observatório entrevistou um jovem de 19 anos, morador de uma comunidade da Zona Oeste, região com índices altos de violência.
Como é ser jovem e morar em uma comunidade na cidade do Rio de Janeiro?
É osso. Tem coisa boa como os amigos, o futebol... mas também é osso.
Por que é “osso” (difícil/complicado)?
Tem que ficar ligado o tempo todo. É cheio de patente para dar ordem e tem que ter atenção para não ficar no meio na hora que o tiro come. Na hora, a bala não vê inocente nem vagabundo.
Você estuda?
Voltei a estudar agora. Tinha largado, mas quando meu irmão mais novo morreu, eu voltei. Sou o homem lá de casa e tenho que estudar para arrumar um trabalho e ajudar minha mãe.
Como seu irmão morreu?
A gente ficava de bobeira lá perto da boca. Fazia uns bagulhos para arrumar um troco ou um baseado. Um dia os “homem” chegaram arrepiando. O povo da boca também tava alterado e trocou tiro. Aí meu irmão morreu no meio... Foi aí que eu decidi voltar a estudar e tentar sair daqui com minha família.
Por que você e seu irmão largaram a escola?
Ahhh, era ruim. Muita zoação, porque a gente é pobre. Nem tinha tênis direito para apresentar. Aí era só esculachado... A professora também era cheia de marra e chamava a gente de burro. A gente começou a matar aula para jogar futebol no campinho e começou a fazer uns trabalhos para o movimento. Aí acabou largando...
O que você quer fazer no futuro?
Sair daqui com a minha família. Arrumar trabalho e ir embora. Antes que eu morra também...