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Mapa da Violência

Em um ano, 62.517 pessoas foram assassinadas no Brasil. Ou seja, entre janeiro e dezembro de 2016, 171 pessoas foram mortas por dia. A taxa brasileira alcançou 30 mortes violentas por 100 mil habitantes. Os homicídios representam quase 10% das mortes no país. Uma tragédia nacional retratada pelo Atlas da Violência 2018.

Atlas da Violência

O Atlas da Violência é resultado do trabalho do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), em colaboração com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Utiliza dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, que centraliza os atestados de óbito emitidos no País e serve como base para o levantamento.

O Ipea disponibiliza dados e artigos sobre o tema também no site “Atlas da Violência”, onde explica a motivação do trabalho: “A superação do problema requer a produção de análises e diagnósticos balizados em evidências empíricas, a fim de que se possa propor ações preventivas efetivas”. E, neste sentido, o Atlas mostra uma realidade cruel, onde os números dão concretude a uma sociedade desigual e excludente.

Os números da violência

O Atlas da Violência revela que, em 2016, houve 62.517 homicídios no Brasil. Um recorde trágico, em que o País chega a taxa de 30,3 pessoas assassinadas em cada 100 mil habitantes. Na última década, foram 553 mil mortes violentas, 153 assassinatos por dia.

Retratos da Intervenção - Atlas da Violência - Quadro evolução taxa de homicídios.png

Os números fornecem um quadro bastante cruel da violência no País, onde se destacam as mortes dos mais vulneráveis.

Jovens

A violência letal é responsável por 56% das mortes de jovens do sexo masculino entre 15 e 19 anos. Apesar de inúmeros alertas sobre a incidência de violência entre os jovens, nada parece ter sido feito em termos de implementação de políticas públicas eficientes para dar uma resposta ao problema.

Em 2016, 33.590 jovens brasileiros foram assassinados. 94,6% do sexo masculino. A tabela 2.1 do Atlas mostra a proporção dos óbitos causados por homicídios.

 Retratos da Intervenção - Atlas da Violência - Proporção de óbitos.PNG

Se forem considerados os jovens de 15 a 29 anos, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes, em 2016, é de 142,7. Cabe citar um comentário do Atlas, que lembra que “a juventude perdida trata-se de um problema de primeira importância no caminho do desenvolvimento social do país...”.

Negros

Mais uma vez os números mostram o impacto da exclusão e da desigualdade social. Na década de 2006 a 2016, a taxa de homicídios de negros aumentou 40,2% e a de não negros caiu 6,8%. No mesmo período, a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de não negras.

Em 2016, a taxa de homicídio para a população negra foi de 40,2. Para o restante da população a mesma taxa ficou em 16. Ou seja, 71,5% dos homicídios ocorrem com pessoas negras ou pardas.
O Atlas cita estudo do Anuário Brasileiro de Segurança Pública para corroborar os dados que expressam a tremenda desigualdade social no País.

O anuário analisou 5.896 boletins de ocorrência de mortes decorrentes de intervenções policiais entre 2015 e 2016, o que representa 78% do universo das mortes no período. Descontando aquelas sem informação de raça/cor, 76,2% das vítimas de atuação da polícia são negras.

Mulheres

Em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no Brasil. Uma taxa de 4,5 homicídios por 100 mil habitantes. E, na década de 2006-2016, houve um aumento de 6,4 de assassinatos de mulheres.

Ao olharmos para a população feminina segundo a variável de cor e raça, para 2016, a taxa de homicídios de mulheres negras é maior que de não negras – 5,3 e 3,1 respectivamente. A diferença é de 71%. E apesar dos avanços no debate sobre direitos das mulheres, sobre a Lei Maria da Penha e sobre racismo, a taxa de homicídios em cada 100 mil mulheres negras aumentou 15,4%. Entre as não negras, o aumento foi quase a metade – 8%.

Retratos da Intervenção - Atlas da Violência - Mulheres Negras.PNG

Vítimas de estupro

Os registros do sistema de saúde sobre a ocorrência de estupros revelam que 68% das vítimas são menores de idade e quase um terço das agressões cometidas contra crianças de até 13 anos parte de amigos e conhecidos. E outros 30% são familiares mais próximos como pais, mães, padrastos e irmãos.

Nestes casos em que o violador é conhecido da vítima, 78% ocorreram na própria residência. Em 54,5% dos casos, os abusos já vinham acontecendo anteriormente.

O SUS registrou, em 2016, 22.918 casos de estupro. Mas o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública indica 49.497 casos registrados em unidades policiais. O que cabe ressaltar aqui é uma enorme subnotificação que faz com que as bases de informações sejam falhas para a visualização da dimensão real do problema. É notório o tabu e a culpabilização da mulher vítima de estupro, que acaba sofrendo dupla violência – ao ser agredida física e emocionalmente, e moralmente também.

O gráfico 6.5 publicado pelo Atlas apresenta o crescimento das notificações de casos de violência como um todo e casos de estupro, especificamente, registrados entre 2011 e 2016. Nota-se um grande crescimento dos indicadores – 155,1 para os casos de violência e 90,2 para os estupros.

É possível atribuir o crescimento das notificações ao aumento do número de estupros ou ao aumento da taxa de notificação devido a campanhas feministas e políticas públicas.

 Retratos da Intervenção - Atlas da Violência - Violência e Estupros.PNG

O estado do Rio de Janeiro

Na década de 2006 a 2016, o estado do Rio de Janeiro viu 62.136 pessoas serem assassinadas. O estado só é superado em números absolutos por São Paulo. No entanto, quando se trata de taxa de homicídios por 100 mil habitantes, o Rio ocupa o 13º lugar nesse ranking.

Quando o Atlas da Violência analisa as mortes decorrentes de intervenções policiais, o estado ocupa o primeiro lugar no ranking. Foram 3.301 óbitos nessas condições entre 2006 e 2016, um a cada 30 horas.

E cabe mencionar que os dados registrados como decorrentes de intervenção policial e operações de guerra no Sistema de Informações sobre Mortalidade sugerem uma subnotificação significativa. O perito que registra o óbito no Instituto Médico Legal não dispõe de informações sobre como aconteceu a morte, ao contrário das instituições policiais, a quem interessa registrar corretamente o evento.

O Atlas exemplifica mostrando que, em 2016, o SIM registrou 1.374 casos de pessoas mortas em função de intervenções policiais no País. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com base nos registros policiais, estima ao menos 4.222 vítimas nesse mesmo ano.


Altas a partir de 2016

O que se observa no quadro da evolução da ocorrência de homicídios no estado do Rio de Janeiro é um recrudescimento da letalidade violenta em 2016. De 2003 a 2012, o estado viveu uma diminuição expressiva nas taxas de homicídio, com algumas oscilações. Mas, entre 2015 e 2016, os números da violência realmente dão um salto.

Na avaliação do Atlas, os grandes eventos, como as Olímpiadas e Copa do Mundo, propiciaram um período positivo. “Pode-se dizer que 2016 marcou o final de um período positivo (...), com grandes eventos internacionais. O final das Olimpíadas demarcou essa transição, quando a falência econômica e política deram a tônica ao novo cenário”. O gráfico abaixo mostra a evolução das taxas.

Retratos da Intervenção - Atlas da Violência - Homicídio Rio.PNG

 

Entrevistas

Entrevista 1 - Mãe de mulher assassinada

Quem matou a sua filha?
O namorado. Quer dizer, o ex-namorado. Ela terminou com ele, mas ele não aceitava. Ameaçou, ameaçou... e matou minha filha, aqui na porta dessa casa.

Qual era a idade da sua filha?
28 anos. Uma moça linda, que nunca fez mal pra ninguém. Dentista, ganhava seu dinheiro, tinha seu carro... uma moça boa. Minha menina. A gente nunca imaginou uma coisa dessas. Como é que pode um homem fazer uma violência dessa com uma menina?

Mas ele era violento?
Sempre foi grosso, ciumento demais. Arrumava briga por tudo. Por causa da roupa, se ela ria, se conversasse com uma amiga... qualquer coisa era motivo. Ficava no celular até não sei que horas discutindo, discutindo...

Eu avisava a ela, alertei. Meu marido nunca gostou dele. Parece que sabia. Mas a gente não acredita que o mal tá dentro da casa da gente, né? Acha que só acontece com os outros.

E ela achava que aquela ciumeira era demonstração de amor! Achava bonito. A gente às vezes pensa assim mesmo, acha bonito o outro ficar assim amalucado. Acha que é amor. Mas não é. É ódio. É raiva... Meu Deus, como é que aconteceu uma coisa dessas com minha filha?

Tem quanto tempo isso?
Dois anos faz agora em agosto. Dia 13 de agosto, minha filha morreu aqui na minha porta. Com um tiro no peito.

Ele foi preso?
Fugiu, mas foi preso lá em Juiz de Fora, na casa de uma tia. A família acobertando... Tá preso. E rezo que pra ele ficar lá pra sempre. Esse tipo de homem é ruim demais. Parece que gosta da mulher, mas não gosta não. Odeia e quando pode, quando tem coragem, mata. Só alguém que odeia faz uma coisa dessas. Um tiro no peito... O pai dela taí, deprimido, a base de remédio, sem querer continuar com a vida. Ele não matou ela só não. Matou a gente, matou minha família.

Entrevista 2 – Mãe de homem que matou jovem

Seu filho está preso?
Está. Já tá preso há três anos. Mas não foi julgado.

O que aconteceu?
Uma tragédia na nossa vida. Uma tragédia. Ele deu um tiro num rapaz, numa briga boba, coisa de bebedeira. Ele tinha ido jogar bola com os amigos. Depois foram beber, fazer churrasco, essas coisas de homem. Mas ele tinha arma, dizia que tinha muito vagabundo solto, muito malandro por aí. Ele é um homem de bom coração, é justo. E nunca gostou de bandido, de bandalha. Foi isso.

Quem ele matou?
Esse rapaz lá da favela. Todo mundo diz que ele não era boa coisa. E ele e uns garotos vieram mexer com eles, que tinham saído do futebol. Só sei o que me contaram... Começou uma discussão, meu filho se exaltou, chamou o rapaz de macaco... essas bobagens que a gente fala quando fica nervoso, quando bebe umas cervejas. Bobagem... E antes que o rapaz fizesse qualquer coisa pior, meu filho atirou. Pra se defender, né? Pra se defender.

Ele disse isso, que foi legítima defesa?
Meu filho é gente direita, trabalhador! Nunca deu trabalho pra gente. Eu não julgo ninguém, quem sabe de tudo é Deus. Mas penso que prefiro meu filho preso do que morto. Daqui a pouco ele sai de lá, recomeça a vida...