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Medidas socioeducativas

Uma das questões que sempre retorna à mesa de debates sobre violência e criminalidade é a redução da maioridade penal, principalmente quando há ocorrências protagonizadas por adolescentes. Para os defensores da redução da maioridade penal, os adolescentes se beneficiariam da impunidade garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Aqueles que são contra essa medida apontam que o Brasil já tem uma alta taxa de prisioneiros. Com 726 mil presos, em 2017, o País tem a terceira maior população carcerária do mundo.

Além disso, os adolescentes infratores são punidos e respondem por seus atos, por meio das medidas socioeducativas. A diferença é que se espera que o sistema consiga reverter o envolvimento com a criminalidade, por meio de medidas que contribuem, de maneira pedagógica, para a mudança de valores, para o acesso a direitos para o caminho da inclusão social.

O que são medidas socioeducativas 

Medidas socioeducativas são medidas aplicáveis a adolescentes autores de atos infracionais que estão previstas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Apesar de configurarem resposta à prática de um delito, apresentam um caráter predominantemente educativo.  

As medidas socioeducativas do ECA são dirigidas a adolescentes, de 12 a 18 anos, que cometeram atos infracionais. Apesar disso, pode-se, excepcionalmente, estendê-las até os 21 anos incompletos. As sentenças são jurídicas e, portanto, são decididas por Juizados da Infância e da Juventude com essa atribuição. Para aplicar a medida, o juiz leva em conta as circunstâncias do fato e da gravidade da infração. 

As medidas podem ser:

- Advertência (Art. 115 do ECA) - repreensão judicial que almeja a sensibilização e esclarecimento do adolescente sobre o ato infracional praticado e as conseqüências de uma possível reincidência 

- Obrigação de reparar o dano (Art. 116 do ECA) - ressarcimento por parte do adolescente do dano ou prejuízo econômico causado à vítima 

- Prestação de Serviço à Comunidade (Art. 117 do ECA) - realização de tarefas gratuitas e de interesse comunitário por parte do adolescente em conflito com a lei, durante período máximo de seis meses e oito horas semanais 

- Liberdade Assistida (Art. 118 e 119 do ECA) - acompanhamento, auxílio e orientação do adolescente em conflito com a lei por equipes multidisciplinares, por período mínimo de seis meses com obrigatória inserção de atendimentos nas políticas sociais públicas de educação, saúde e outras identificadas pela equipe técnica responsável como adequadas e necessárias ao adolescente e a sua família. 

- Semiliberdade  (Art .120 do ECA) - ingresso e permanência do adolescente a unidades especializadas no cumprimento das medidas com restrição de liberdade, possibilitando a realização de atividades externas, sendo obrigatória a freqüência escolar e em cursos profissionalizantes. O adolescente, cumprindo essa medida, poderá ficar com a família nos finais de semana, desde que autorizado, após avaliação, pela coordenação da unidade ao qual está vinculado. 

- Internação (Art. 121 a 125 do ECA) - medida judicial aonde o adolescente fica privado de liberdade em unidades especializadas. A internação está vinculada aos princípios da brevidade da perda da relação familiar e comunitária e da condição, específica da adolescência, de pessoa em desenvolvimento. A internação poder ser caráter provisório ou estrito 

- Internação provisória - o adolescente pode ficar internado até no máximo 45 dias em unidades especializadas, aguardando a decisão judicial. Durante esse período, é feita a instrução do processo, havendo duas audiências. Na primeira, são ouvidos o adolescente e seus responsáveis (interrogatório). Na segunda, são ouvidas as testemunhas de defesa e de acusação. Nessa fase de internação, o jovem pode receber visitas dos pais; terceiros necessitam de autorização judicial. 

- Internação estrita (por tempo indeterminado e não excedendo a três anos) - quando o adolescente é sentenciado a cumprir medida socioeducativa de internação. Os direitos do adolescente nesse período são receber escolarização e profissionalização, realizar atividades culturais, esportivas e de lazer, ser tratado com respeito e dignidade, entre outros previstos no art. 124 do ECA. 

Aplicação das medidas socioeducativas  

O sistema de medidas socioeducativas prevê a participação dos três entes de governo: federal, estadual e municipal. Em 2006, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) publicou a Resolução 119 que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). A resolução recomenda que “sejam levados em consideração os limites geográficos do município, de maneira a facilitar o contato e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários do adolescente e efetivar sua inserção social e de sua família nos equipamentos e rede de serviços públicos locais, na perspectiva da socioeducação, que deve prevalecer sobre o caráter punitivo das medidas de responsabilização”.

O Sinase  tem como finalidade coordenar a  política de proteção especial e de justiça, abarcando o atendimento ao adolescente autor de ato infracional desde o processo de apuração até a aplicação e a execução da medida socioeducativa. 

No estado do Rio de Janeiro, a execução das medidas socioeducativas é responsabilidade do governo do estado, por meio da Secretaria Estadual de Educação. A execução é realizada pelo Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), criado pelo Decreto nº 18.493, de 26/01/1993  

A partir de 2008, a execução das medidas em meio aberto – Prestação de Serviço à Comunidade/PSC e Liberdade Assistida – passam a serem executadas pelos municípios por meio dos serviços da Proteção Social Especial das secretarias municipais de Assistência Social. 

O Sistema de Medidas Socioeducativas no Rio de Janeiro 

No sistema estadual responsável pelas medidas de internação, o Degase, a situação é crítica. Em julho de 2018, contava, entre internato e semiliberdade, com 1.451 vagas e tinha 2.390 internos. 

A superlotação está ligada ao aumento da apreensão de adolescentes nos últimos 10 anos. Pouco mais de 1,8 mil adolescentes foram apreendidos em 2008 no estado. Em 2017, o número de apreensões passou dos oito mil casos.

Retratos da Intervenção - Medidas socioeducativas - tabela.PNG

Retratos da Intervenção - Medidas socioeducativas - gráfico.PNG

Em uma das maiores e mais antigas unidades, o Educandário Santos Expedito, a lotação passava de 100% das vagas e a Justiça determinou a proibição da entrada de novos adolescentes. Além da superlotação, o sistema de internatos convive com péssimas condições prediais, número insuficiente de funcionários e crise de abastecimento em geral.

No âmbito das medidas em meio aberto, o sistema de atendimento também encontra dificuldades. O Programa Passo a Passo, programa Piloto da Prefeitura do Rio de Janeiro, implementado com recursos do Banco Mundial com recursos do banco, implantado em 2016 encerrou suas atividades por problemas financeiros. 

O projeto apesar do pouco tempo de atuação apresentou expressivos números de redução da incidência. Durante sua execução, diminuiu de 60% para 4,2%, em um universo de 450 jovens que cumpriam Liberdade Assistida, a reincidência de infrações. 

Especialistas e operadores do Direito lamentaram a interrupção e acreditam que o número de reincidências bem como o agravamentos dos delitos deverá ocorrer. 

O programa era visto como estratégico pois atuava principalmente nos casos de adolescentes primários com delitos de baixa gravidade se estabelecendo como um “muro de contenção” entre o jovem e o crime. 

Entrevista 

Entrevista com Marlene, de 34 anos, Agente Educacional do Sistema Degase 

Aonde e há quanto tempo você trabalha no Degase? 

Eu trabalho há dois anos na unidade para meninas infratoras Professor Antônio Carlos Gomes da Costa. Eu era educadora de abrigos na cidade do Rio de Janeiro e fiz para uma prova para o Degase. Fui cheia de esperança. Eu conhecia meninas dos abrigos que passaram por lá e achei mesmo que ia poder fazer um bom trabalho. Também pensei em termos de carreira. Eu curto Serviço Social e achei que estando lá podia fazer carreira. 

E como está sendo o trabalho? 

Horrível. Pensei que já estava acostumada com a precariedade do sistema de atendimento tendo trabalhado muito tempo nos abrigos mas lá dentro é bem pior. Falta tudo. Faltam itens básicos de higiene e limpeza. A comida é ruim e as condições das instalações são horríveis. Tenho medo de ter incêndio lá porque  a parte elétrica é bem precária. 

Também passei a ter medo. Rezo muito antes de ir trabalhar... Quando entrei tratava as meninas como no abrigo e os companheiros de trabalho logo me chamaram e falaram que eu não podia “abrir a guarda”. Que quando eu deixava me chamar de “tia” eu dava intimidade. Que eu tinha que seguir a “maneira do lugar”. E a maneira é como num presídio.  

Às vezes chega alguma menina nova, que nunca entrou no sistema. Chega chorando muito e com medo. Fico querendo chegar, conversar, tranquilizar mas ... tenho medo. Lá dentro temos que contar com o companheiro numa situação de emergência e não quero ficar mal com os outros agentes. Aí endureço o coração e sigo sem dar, pelo menos em público, aquela palavra de carinho que acho que a menina precisa... 

O que precisa para melhorar? 

Tudo. Prédio, insumos, mais funcionários, diminuir a quantidade de menina por unidade, capacitar os agentes, apoio social ás famílias, oficinas e escola... tudo mesmo.