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Mulheres e Prisão - Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias sobre Mulheres

O Infopen Mulheres

O Ministério da Justiça divulgou, no dia 9 de maio, dados sobre o número de mulheres mantidas presas no Brasil. São 42.355 mulheres privadas de liberdade, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, o Infopen Mulheres.

O levantamento foi publicado pela primeira vez em 2015, cumprindo uma das metas da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional. Até então, não havia informação ou análises sobre a inserção das mulheres no sistema prisional brasileiro.

O Infopen Mulheres trabalha com marcadores de raça, cor, etnia, idade, deficiência, nacionalidade, situação de gestação e maternidade entre as mulheres em privação de liberdade, disponibilizando informações para o monitoramento da condição das mulheres privadas de liberdade.

Este é um trabalho fundamental, já que o país tem a quarta maior população carcerária feminina do mundo e cabe ressaltar que quase metade destas mulheres não foi sequer condenada.

Em matéria no site Universa sobre os números divulgados pelo Infopen, Maria Carolina Trevisan cita também os números da organização social Conectas, criada no Brasil em 2001. A Conectas, entre outras ações voltadas para a garantia de direitos humanos, monitora e denuncia violações contra pessoas privadas de liberdade, violência policial e impactos da “guerra às drogas”.

A organização aponta que, entre 2000 e 2016, o aprisionamento feminino no Brasil teve um aumento de 455%. Outros três países com taxas altas de aprisionamento - Estados Unidos e Tailândia - não alcançaram um aumento sequer de 20% no mesmo período. A China, segundo pior índice de aprisionamento feminino chegou a 105% e a Rússia, terceiro maior, conseguiu reduzir a prisão de mulheres em 2%.

O Infopen mostra que em dez anos, a partir de 2006, o número de mulheres presas aumentou em 145%. O Gráfico 2 do Infopen Mulheres mostra essa evolução.

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Suicídio entre mulheres privadas de liberdade

Um dos dados levantados pelo Infopen Mulheres é especialmente revelador das condições em que vivem as mulheres encarceradas no Brasil. A chance de uma mulher cometer suicídio dentro do sistema prisional é 20 vezes que o total da população brasileira.

Em 2015, para cada 100 mil mulheres, foram registrados 2,3 suicídios. Entre a população prisional, esse número subiu para 48,2 mortes por suicídio, como mostra o Quadro 7 do Infopen.

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Presídios feitos por homens - tudo é inadequado para as mulheres

Existe um abismo quando se compara prisões femininas e masculinas. Numa sociedade como a brasileira, que ainda subjuga de acordo com o gênero, as mulheres são duplamente punidas.

Se em uma sociedade machista, uma mulher livre sofre, imagine uma presidiária. Os presídios femininos são administrados por homens e o que deveria ser um espaço feminino acaba por ser um ambiente machista, com regras que em nada promovem o bem-estar e respeito às presidiárias.

Existe um descaso por parte do Estado na implantação de políticas públicas voltadas para os estabelecimentos prisionais específicos, como os femininos. Cabe ressaltar que as necessidades das mulheres privadas de liberdade vão muito além da menstruação e gravidez.

As prisões são meras adaptações ou adequações dos presídios masculinos, o que configura uma violação à Lei de Execução Penal e à Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984), que determina em seu artigo 82, §1º, que as mulheres deverão ser “recolhidas” em estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal. A lei não vem sendo cumprida.

Algumas condições dessas prisões e as comparações entre presídios para homens e para mulheres são retratadas em números pelo Departamento Penitenciário Naciobal (Depen):

- Nas unidades para mulheres, somente 34% possuem espaço adequado para gestantes.

- Nas unidades mistas, a situação é ainda pior, apenas 6% possuem celas adequadas para as grávidas.

- Apenas 32% dos presídios femininos possuem berçário. Entre os presídios mistos, 3% das unidades dispõem da instalação.

- Apenas 5% das unidades femininas possuem creche e não existe nenhuma creche em unidades mistas. 

No que se refere às oportunidades de trabalho dentro do presídio feminino, a distribuição não é equitativa. Apenas um grupo escolhido e restrito tem oportunidade de trabalhar, que são as presas mais antigas ou as mulheres que desempenham alguma liderança. Nos presídios masculinos, ainda que com inúmeros problemas, as oportunidades de trabalho são muito maiores.

Existem mais presídios masculinos do que femininos. No presídio masculino, os homens são separados de forma que os grupos rivais não fiquem juntos, o que gera organização melhor da rotina e das regras de convivência. Os presídios femininos não têm esse tipo de procedimento e amontoam mulheres nas poucas unidades que o sistema prisional oferece.

A sociedade ignora as mulheres detentas e não as quer de volta. Em uma sociedade patriarcal, além de carregarem o estigma de seu erro, as presas sofrem o peso da desigualdade em função de gênero, o que torna ainda mais cruel a realidade das mulheres encarceradas. Mais uma vez a igualdade entre homens e mulheres parece ser inimaginável na nossa sociedade

Em entrevista à revista Carta Capital, Valdirene Daufemback, doutora em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e ex-diretora do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), disse que o número reduzido de presídios femininos já determina o agravamento da condição de encarceramento. “Os procedimentos de rotina não são considerados. Existem unidades onde não há ambientes próprios para gestantes e lactantes e que não verificam no cadastro se a mulher cuida ou não de filhos no momento da prisão, o que pode gerar consequências graves para a família. É um sistema pensado para o sexo masculino e, com isso, as pessoas que vão para esse ambiente ficam mais vulneráveis, com sobrecarga de limitações em função do trato institucional. O cumprimento da saúde e dos direitos das mulheres egressas ainda é muito insignificante por parte dos Estados da federação".

As mulheres em privação de liberdade

O Levantamento Nacional, divulgado pelo Ministério da Justiça, também mostra que a maioria das prisioneiras (62%) é negra. Esse dado corrobora os dados referentes a todo o sistema prisional, que indica que a maioria dos prisioneiros no país são jovens negros, moradores de comunidades de baixa renda.

A amostra de mulheres com a qual o Infopen Mulheres trabalhou permitiu afirmar que 50% da população prisional feminina são constituídos por jovens entre 18 e 29 anos.

Além disso, como mostra o gráfico de número 14 da publicação, 66% da população prisional feminina ainda não acessou o Ensino Médio, tendo concluído, no máximo, o Ensino Fundamental. Apenas 15% concluiu o Ensino Médio.

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Na sua análise sobre este retrato da população carcerária feminina, Maria Carolina Trevisan cita também a advogada e pesquisadora Dina Alves que escreveu artigo intitulado “Rés Negra, Juízes Brancos”, onde afirma: “As prisões modernas têm o ‘privilégio’ de ser o lugar onde se materializam as estruturas hierárquicas impostas pela lógica racial da desumanização do corpo negro. A desumanização na prisão abre caminho para a criminalização pelo Estado penal”.Retratos da Intervenção Mulheres Prisioneiras Taxa de Aprisionamento.jpg

 

Entrevistas

Entrevista 1 - Larissa, 20 anos, presa no Presídio de Bangu 8, Rio de Janeiro, RJ

Larissa, como você foi presa?

Eu fui pega com cocaína. Era do meu namorado, mas eu “rodei” mesmo assim.

Você veio direto para o presídio de Bangu 8?

Não, fiquei presa na cadeia de Cabo Frio, a 128ª DP, quase um mês até ser transferida.

Foi sua primeira prisão?

Foi. Nem quando eu era menor eu tinha sido presa.

E como está sendo isso? O que mais te impactou?

Eu não tava preparada pra isso não. Ouvia falar, mas não sabia que ia ser assim. Eu sou sozinha desde que minha mãe morreu quando eu era criança, mas aqui dentro é que entendi que não tenho ninguém por mim. As presas precisam da família. É a família que dá dinheiro pra comprar coisa na cantina, sabonete, shampoo, calcinha. Eu não tenho nada. Dependo do que minhas amigas me dão. No dia da visita, vejo chegar mãe, filho… e não tenho uma visita.

Você vai ficar presa quanto tempo?

Eu ainda não tive audiencia. Tenho fé em Deus que vou sair na condicional porque sou primária. Mas não sei quando vai ser.

Você tem advogado?

Não. Acho que no dia da audiencia eles mandam um defensor, mas não sei…

O que você aprendeu aqui?

A gente não aprende nada bom aqui. Aprendi que mesmo largada na vida. Que tenho que sair daqui e dar um jeito na vida. Quero ter uma família. Quero ver meu filho. Ele tava no abrigo e foi adotado, mas não perco a esperança de ver ele de novo.

O que você gostaria que melhorasse no presídio?

A gente tinha que ter mais condição. Ter sabonete, creme … Aprender um ofício. O que tem para fazer aqui é pouco. As presas antigas ou que tem contexto ficam às vagas. Para passar o tempo só televisão e livro velho.

 

Entrevista 2 - Mulher ex-presidiária, Rose, de 40 anos.

Ficou presa quanto tempo?

Fui presa três vezes, isso aí deu quase 1 ano.

Qual o motivo de sua prisão?

Foi furto.

O que achou de mais difícil na prisão?

Eu entrei grávida e foi muito ruim, fiquei passando mal, sem nenhum socorro. Quando me levaram para maternidade, eu fiquei algemada no pé e na mão. Chegando no presídio, fui obrigada a tomar conta do filho de uma outra presa, porque fiquei na creche com minha filha. Também de resguardo, fui obrigada a cuidar da horta. A rotina do presídio é um inferno.

Você recebeu visita da sua família?

Minha mãe de vez em quando ia me visitar.

Como é o presídio feminino?

Uma bagunça, elas, as presas, não são unidas. A administração até tem serviço, mas é difícil de entrar porque as vagas são para as mulheres escolhidas.

E quando você saiu? Como foi seu retorno à sociedade?

Logo assim que saí foi difícil. Mas depois de três anos e meio, eu conheci o Projeto Agentes da Liberdade e consegui emprego de carteira assinada. Hoje estou sem trabalho e cuido de seis crianças.

 

Entrevista 3 - Mãe de mulher presa, que cuida do neto, 62 anos

Como foi saber que sua filha foi presa?

Foi a pior noticia da minha vida. Infelizmente a gente não controla a vida dos filhos, principalmente depois que eles crescem. Ela tinha um namorado esquisito, não gostava dele não, mas ela já tinha até um filho com ele. Só Jesus mesmo.

Como foi ter que assumir a criação do seu neto com sua filha presa?

É muito difícil. Meu neto viu minha filha ser presa. Não parecia que ele tinha entendido tudo direito, mas ele ficou muito abalado. Precisei pedir ajuda para ele poder tratar da cabeça e ainda tive que aguentar a pressão dos meus vizinhos. E também da minha família, foi muito difícil.

Quantos anos ele tinha quando sua filha foi presa?

Meu neto tinha nove anos. Ele viu a mãe ser presa.

E como foi isso? Ele entendeu o que estava acontecendo?

Ele não entendeu muito bem, mas fez muito mal pra ele.

Houve alguma mudança de comportamento do neto na escola?

Ah, eu precisei tirar ele da escola. Não teve como continuar, mais pelos pais dos coleguinhas que não queriam o meu neto próximo deles.

A senhora visita sua filha?

Eu não abandonei minha filha. Muitas mães nem lá aparecem, mas eu vou em todas as visitas.

O que está sendo mais difícil para a senhora nesse tempo que sua filha está presa?

A saudade muito grande. Mas a pior coisa é quando acaba a visita no presídio. Eu sofro muito em ir embora e deixar ela lá. Meu sonho e do meu neto é voltar a sorrir, mas isso só quando minha filha sair.