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Pedofilia, abuso sexual e pornografia infantil

 

Muitas vezes os crimes de origem sexual praticados contra crianças e adolescentes são confundidos e, apesar de por vezes estarem relacionados com outros crimes, são delitos diferentes com diferentes competências nas investigações.

O Ministério da Saúde considera violência sexual os casos de assédio, estupro, pornografia infantil e exploração sexual. Dentre as violências sofridas por crianças e adolescentes, o tipo mais notificado de 2011 a 2017 foi o estupro (62,0% em crianças e 70,4% em adolescentes).

De acordo com o Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, segue a tipificação dos crimes contra crianças e adolescentes:

Pedofilia - Consta na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) e diz respeito aos transtornos de personalidade causados pela preferência sexual por crianças e adolescentes. O pedófilo não necessariamente pratica o ato de abusar sexualmente de meninos ou meninas. O Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não preveem redução de pena ou da gravidade do delito se for comprovado que o abusador é pedófilo.

Violência Sexual - A violência sexual praticada contra crianças e adolescentes é uma violação dos direitos sexuais porque abusa e/ou explora do corpo e da sexualidade de garotas e garotos. Ela pode ocorrer de duas formas: abuso sexual e exploração sexual (turismo sexual, pornografia, tráfico e prostituição).

Abuso sexual - Nem todo pedófilo é abusador, nem todo abusador é pedófilo. Abusador é quem comete a violência sexual, independentemente de qualquer transtorno de personalidade, aproveitando-se da relação familiar (pais, padrastos, primos etc.), de proximidade social (vizinhos, professores, religiosos etc.) ou da vantagem etária e econômica.

Exploração sexual - É a forma de crime sexual contra crianças e adolescentes conseguido por meio de pagamento ou troca. A exploração sexual pode envolver, além do próprio agressor, o aliciador, intermediário que se beneficia comercialmente do abuso. A exploração sexual pode acontecer de quatro formas: em redes de prostituição, de tráfico de pessoas, pornografia e turismo sexual.

Os crimes de violência sexual que envolvem crianças e adolescentes vivem um caos na sistematização de seus dados. Os dados são fundamentais na construção de políticas públicas eficazes na segurança pública, saúde, educação e assistência social.

Controle de denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes

Atualmente é impossível descobrir de forma organizada e sistemática o destino e extensão dos crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes.

A agência de notícias BBC Brasil, em fevereiro de 2018, ao buscar dados sobre o destino de alguns casos de abuso sexual, oficiou autoridades federais e estaduais solicitando informações. As respostas mostraram um enorme descontrole estatístico pois nenhum órgão federal ou estadual mapeia e monitora as denúncias. 

Não se sabe, em nível municipal, estadual ou federal quantas denúncias se desdobraram em inquéritos policiais e se chegaram à Justiça, muito menos o que aconteceu com as crianças e adolescentes vítimas. Sem dados sistematizados, não se sabe o tamanho do problema nem a performance e a eficácia dos serviços de proteção. A falta de padronização e sistematização de dados vão na contramão da importância que a sociedade anuncia, inclusive criando um Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual.

As denúncias de exploração e abuso sexual podem ser feitas em delegacias, sendo elas especializadas ou não, no Ministério Público, em Disque Denúncias, em Conselhos Tutelares e em Varas da Infância e Juventude. Não há nenhum sistema que reúna essas denúncias. Cada um desses setores possui sistemas singulares de tratamento de informações.

O serviço que agrega mais dados dos estados é o Disque Denúncia (Disque 100) criado pelo Ministério dos Direitos Humanos do governo federal para acolher, de forma anônima ou não, denúncias de violência sexual. O Disque Denúncia encaminha as denúncias aos órgãos competentes que podem agregar os serviços citados acima.

O Disque Denúncia recebeu, no primeiro semestre de 2017, cerca de 9 mil denúncias e, ao longo de 2016, 15.707 denúncias. Mas os dados param por aí. O órgão não possui nenhum dado sobre a trajetória e o destino das denúncias nos estados e/ou municípios. Não existem regras nem sistemática de retorno das denúncias. O órgão acusa receber, em média, apenas 16 % de devolutivas nos casos. 

Em sua pesquisa, a BBC Brasil buscou nos 26 estados e no Distrito Federal informações nas policiais estaduais e nos ministérios públicos respostas quanto ao encaminhamento e resultados das denúncias recebidas. Apenas as secretarias de cinco estados - Minas Gerais, Santa Catarina, Acre, Rio Grande do Sul, Paraná e Distrito Federal - repassaram informações sobre o andamento dos casos. Na maioria dos estados, é impossível acompanhar o andamento. 

O Sistema Único de Saúde (SUS) possui o conjunto de informações mais completo sobre violência. A Portaria GM/MS nº 1271/2014 estabelece a Lista Nacional Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos de saúde pública e privada em todo território nacional. A notificação é obrigatória e deve ser feita em até 24 horas.

As regiões do Brasil que registraram o maior volume de notificações no período foram as regiões Sudeste (40,4%) e Sul (21,7%), para as crianças, e Sudeste (32,1%) e Norte (21,9%) para os adolescentes.

Entre 2011 e 2017, as notificações gerais de violência sexual registradas aumentaram 83%, segundo dados do Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde em junho de 2018.

 

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Especialistas reconhecem, no entanto, que o número de agressões sexuais é maior pois, apesar da notificação ser obrigatória, nem todos os municípios registram os dados.

O Sistema de Notificação implica em registro e encaminhamento do caso ao Conselho Tutelar local, que se responsabiliza pelo acolhimento e notificação da família bem como encaminhamento aos serviços policiais e jurídicos. Mas a obrigatoriedade da notificação do Sistema de Saúde não implica em acompanhamento do caso nem na clínica nem nos resultados investigativos. 

Como para a polícia a qualidade e a especificidade dos dados determinam o sucesso do inquérito, a falta de diálogo e feedbacks não implicam em qualificação de dados para construção de um sistema geral mais competente.

A delegada de São Paulo Kelly Cristiana Saccheto, responsável pela Delegacia de Proteção à Pessoa, disse que muitas denúncias chegam sem informações suficientes e necessárias à polícia para instauração de um inquérito. 

A judicialização dos casos

Pesquisadores dedicados ao estudo do abuso sexual contra crianças e adolescentes alertam para a dificuldade no manejo dos casos. Aqueles que envolvem estupro são considerados difíceis e muitas vezes revitimizam as vítimas, pois é comum no curso do processo serem desacreditadas (ele disse, ela disse). No caso em que crianças e adolescentes são vítimas, onde boa parte dos casos envolvem parentes e pessoas próximas, esse processo é acentuado aonde os depoimentos das crianças são vistos como pouco confiáveis.

Segundo Herbert Rodrigues, pesquisador do Núcleo da Violência da Universidade de São Paulo, nos casos que chegam à Justiça é possível ver, em muitos processos, tentativas de desqualificar e deslegitimar as crianças para inocentar o agressor. É reflexo de uma sociedade que tem baixa confiança nas crianças, onde elas são desconsideradas, como se não tivessem agência no mundo. 

Entrevista

Entrevista com José Conselheiro Tutelar, da cidade do Rio de Janeiro.

José, você é conselheiro a quanto tempo?

Estou conselheiro tutelar pelo segundo mandato. Tenho seis anos a frente de Conselho Tutelar

Você já recebeu denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes?

Sim, várias. Antes de ser conselheiro, sabia que enfrentaria esses casos, mas não estava preparado para o número de casos e para a tragédia de cada história. Até agora, atendi uns 40 casos.

E como é feito o atendimento no Conselho Tutelar?

A presença do psicólogo que trabalha no conselho é fundamental. Quando recebemos a denúncia de vizinhos ou da escola chamamos a família, em geral a mãe, para a primeira conversa. Introduzir o assunto é delicadíssimo. Precisamos, na conversa, perceber se a mãe ou outro familiar é conivente e se tem condições emocionais e financeiras para proteger a criança. Depois dessa etapa, conversar com a criança é mais difícil ainda. Aí, nessa conversa, só o psicólogo mesmo, apto para os casos mais difíceis e complexos.

O Conselho Tutelar acompanha o desdobramento dos casos? Acompanha a parte das investigações e o processo judicial?

Muitas vezes somos nós que levamos os casos para a Delegacia especializada. Se chega lá de outra forma a Delegacia nos chama. Aí vamos acompanhar a criança e a família. Vamos ver com a família como ela vai cuidar e proteger a criança, já que muitas vezes o agressor é parte da família que mora sob o mesmo teto. Se a família não tem condições vamos correr atrás de achar outro familiar ou um abrigo para a criança.

E na Justiça? Vocês acompanham? 

Em geral, como participamos do processo, somo s chamados para depor. 

Quantos casos dos que chegaram a vocês chegaram à justiça?

Não sei. Não temos dados além da informação de quantos casos chegam. Com a correria do dia a dia não é possível acompanhar. Os sistemas de informações não "conversam" entre si. Não tenho acesso aos desdobramentos dos casos. Os mais marcantes sabemos pela mídia ou porque corremos atrás de mais informações. Mas não é possível acompanhar todos.

Essa falta de acompanhamento atrapalha?

Claro. Como eu vou avaliar a política, as campanhas se não tenho dados? O que adianta fazer campanha do ano contra o abuso se não temos como avaliar a eficiência da denúncia ? 

O ‘app’ brasileiro para denunciar abusos e ataques a menores

O "Proteja Brasil" está diretamente conectado com o Governo Federal, informa sobre os órgãos de proteção, os tipos de agressão que uma criança pode sofrer e como atuar em cada caso.

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Jovem segura celular com o 'app' do Proteja Brasil  (UNICEF/UESLEI MARCELINO)

Há cinco anos, o Brasil se preparava para algo muito grande. Para três coisas muito grandes, na realidade. Em 2013 acolheu a Copa das Federações, em 2014, a Copa do Mundo de futebol, e em 2016, os Jogos Olímpicos. Em tal cenário e ante a avalanche de visitantes que estavam para chegar, o Unicef se aliou a uma pequena empresa de software, a Ilhasoft, cujo objetivo era "mudar o mundo" e criou o Proteja Brasil, um aplicativo que permite identificar e denunciar abusos e ataques a menores. A ferramenta está diretamente conectada ao Dial 100, a linha de telefone de defesa dos direitos humanos do Governo Federal.

Entre as suas utilidades, está a de indicar a localização de lugares de interesse, como delegacias, juizados de menores, embaixadas e prefeituras. O uso é totalmente anônimo e nem o Unicef nem os criadores do aplicativo têm meio de conhecer a identidade do usuário. Permite denunciar todo tipo de agressão aos direitos dos menores: exploração infantil, maus-tratos físicos e psicológicos, abusos sexuais etc. Mas também aqueles decorrentes do mundo digital, como o bullying e a pedofilia que se nutre das redes sociais. Um total de 80% dos jovens entre 9 e 17 anos tem acesso à Internet, segundo os dados compilados pela organização. "Este projeto se insere no WePROTECT, uma aliança internacional para deter os abusos online", explica do outro lado do telefone, em São Paulo, a especialista do Unicef em proteção à infância, Fabiana Gorenstein.

Começou como um projeto-piloto em 2013 e no ano seguinte se estendeu a todas as cidades-sede da Copa. Em 2016 já estava totalmente operacional. Em setembro do ano passado, 51.000 pessoas haviam baixado o aplicativo, que tinha registrado 692.680 interações, entre denúncias e pedidos de informação. Atualmente já são 109.000 downloads. Isto é uma constatação, argumenta Gorenstein, de que o aplicativo deixou de ser um projeto isolado para se tornar parte das políticas públicas do país em matéria de defesa dos menores. "Queríamos avançar graças à inovação, ampliar a capacidade de denúncia e defesa da infância graças às novas tecnologias", acrescenta Gorenstein. A proteção de crianças e adolescentes faz parte da agenda política das últimas legislaturas no país. O Brasil possui desde 2014 uma lei que proíbe totalmente as punições físicas no âmbito doméstico e escolar.

Desde o começo se envolveram neste projeto a ONG Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan), a associação brasileira de juízes e promotores e o próprio Governo. Numerosos youtubers se prontificaram a divulgar a ferramenta. O objetivo era claro: que a população soubesse que tinha ao alcance da mão a possibilidade de defender os direitos da infância em um país em que 90% dos cidadãos se conecta com a Internet pelo celular.