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Pena domiciliar para mulheres

Pena Domiciliar para mulheres

No dia 20 de fevereiro de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou pedido da Defensoria Pública da União, assessorada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, concedendo direito a prisão domiciliar a mães de crianças de até 12 anos de idade e que ainda estejam aguardando julgamento.

A autorização se refere apenas a casos que não envolvem crimes com uso de violência ou grave ameaça, e depende de avaliação da dependência da criança. 

No Brasil, 4 mil mulheres e inúmeras crianças podem ser beneficiadas com essa decisão.

As bases da solicitação da concessão de prisão domiciliar as mães

Em março de 2018, o STF criou o Cadastro Nacional de Presas Gestantes e Lactantes. Foram levantadas 514 presas nessas situações no território federal. No Rio de Janeiro, foram contabilizadas 27 mulheres, sendo 12 gestantes e 15 lactantes.

Existem no Estado do Rio de Janeiro duas unidades especializadas nesses atendimentos. Uma delas, a Unidade Materno Infantil (UMI), em Bangu, conta com 20 vagas. Nessa unidade, as recém mães podem compartilhar os cuidados e amamentar os filhos até seis meses de idade. Após esse prazo, a criança é encaminhada para o cuidado de algum parente ou, na inexistência deste, para o Conselho Tutelar.

Existe também, no Complexo Penitenciário de Bangu, uma unidade feminina com ala exclusiva para grávidas.

Segunda pesquisa do Departamento Penitenciário Nacional, existem atualmente 9.245 mulheres mães que já poderiam ser beneficiadas com a prisão domiciliar, apesar da concessão do STF datar de fevereiro.

A resistência de juízes em todo país em proceder conforme a determinação vai levar o STF a reavaliar a situação, visando compreender as questões implicadas.

Em São Paulo, existem 3.103 mulheres, Minas Gerais, 1807 e, no Rio de Janeiro, 491 que reúnem as condições exigidas.

O universo de presas nessas circunstâncias pode aumentar. O debate no STF continua e existem ministros que defendem a concessão da prisão domiciliar até o julgamento em última instância.

No Rio de Janeiro, o caso de uma presa na cadeia pública José Frederico Marques em Benfica, grávida, chamou a atenção para a questão. Além de estar grávida, ela tem 8 filhos, sendo um deles, um bebê de meses com câncer de tireoide.

Condições para a solicitação da prisão domiciliar

A solicitação da prisão domiciliar para mães a espera de julgamento se baseia essencialmente na jurisdição que envolve a proteção da criança e do adolescente.

Proteção das vidas em jogo (criança e lactante) - no Direito Constitucional Brasileiro e no Direito Internacional dos Direitos Humanos.

O Estado deve tomar todas as medidas apropriadas para assegurar a proteção da criança contra toda forma de discriminação ou castigo por causa da condição, das atividades, das opiniões manifestadas ou das crenças de seus pais, representantes legais ou familiares.

Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.

Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança. Tal determinação pode ser necessária em casos específicos, por exemplo, nos casos em que a criança sofre maus tratos ou descuido por parte de seus pais ou quando estes vivem separados e uma decisão deve ser tomada a respeito do local da residência da criança.

Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde. Os Estados Partes envidarão esforços no sentido de assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários.

O Estatuto da Criança e do Adolescente garante à criança o tratamento prioritário visando a efetivação do seu direito à vida, à saúde, à alimentação, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Alternativas ao aprisionamento da mulher lactante – Proteção diferenciada

A implementação das audiências de custódia possibilita maior cuidado na breve análise da necessidade e consequências da prisão preventiva, aumentando a possibilidade de observação de possíveis medidas alternativas.

Na revisão do artigo 318 do Código de Processo Penal de 2016, o juiz pode substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando é imprescindível o cuidado de pessoas menores de seis anos ou com deficiência, por gestante ou mulher com filho de até 12 anos incompletos.

Além do caráter complementar e humano da lei, flexibilizando a pena ao atentar para os direitos das crianças, a concessão da prisão domiciliar implicaria em importante passo para dirimir a superlotação dos presídios do estado do Rio de Janeiro.

Entrevista

Ana Amélia, de 55 anos, assistente social em um presídio do Rio de Janeiro

Você tem ciência da decisão do STF sobre a concessão de prisão domiciliar a mães de crianças abaixo dos doze anos?

Sim, claro. Para mim e para a equipe que trabalha em presídios, a situação mais dramática, mais doida é de presas mães. Épocas de comemoração como aniversário, natal etc. são muito deprimentes. Quando elas ficam sabendo de algum problema de saúde ou na escola ficam muito mal.

Tenho ciência de que estão ali porque fizeram alguma coisa errada, um crime. Mas é um situação em que também muitas vezes, nós, o Estado, incorremos um outro crime. Que é deixar crianças desassistidas.

Como é a convivência das presas com os/as filhos (as)?

Quando entram grávidas elas podem ficar com as crianças até os seis meses para poderem amamentar. Depois a convivência é em dia de visita. Mas as famílias em geral são muito pobres. Vir para a visita é ter despesa. Tem que pagar passagem, trazer lanche da criança, além do que a presa precisa. Aqui está faltando tudo: sabão em pó, sabonete, papel higiênico, absorvente... Se a família não vier, a situação fica muito difícil.

Eu vejo em muitos casos que a mulher é presa em função da relação com o companheiro. Por ser menos visada, ela é muito usada de mula. Aí entra como tráfico. Claro que tem aquelas que considero perigosas. Que nem percebo muito instinto maternal, mas para isso o juiz, para conceder a prisão domiciliar, levaria em conta nossa avaliação técnica.

A prisão domiciliar, mesmo a prisioneira voltando para o ambiente em que incorreu na criminalidade, seria o melhor no caso de mulheres com filhos pequenos? Mesmo com o risco da reincidência?

Então. É o que eu estava dizendo. O juiz, a partir de uma avaliação técnica, deverá decidir quais os casos em que é possível e segura a prisão domiciliar. Eu não tenho dúvidas que uma parte grande das mulheres que estão presas têm condições de ser beneficiadas pela concessão.

E é preciso levar em conta os direitos das crianças. Isso é o mais importante, a meu ver. E tem mais. Essa prisão, para muitas mulheres que cometeram infrações menos graves, como transportar drogas, por exemplo, é escola do crime. A vida carcerária não conserta ninguém.