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População de rua de na cidade do Rio de Janeiro

População de rua – um desafio para gestores públicos

O enfrentamento dos problemas da população de rua é desafio permanente para os gestores das políticas sociais, especialmente para a Assistência Social. É um público complexo, que demanda diferentes esforços e ações na condução de políticas públicas que precisam de eficiência na promoção da cidadania dessas pessoas, para que saiam da situação de exclusão de forma sustentável.

O primeiro desafio é conhecer a realidade - quem são estas pessoas, onde estão, por que vivem nas ruas. Só a partir do conhecimento concreto do perfil desta população, é possível traçar estratégias que possam ir ao encontro das necessidades e possibilidades deste segmento da população.

Retratos da Intervenção - População de Rua - Foto 1.jpg

Quantas pessoas estão em situação de rua no Rio de Janeiro?

Para conhecer as reais condições da população de rua na cidade, a Prefeitura do Rio, por meio da Secretaria Municipal de Assistencial Social (SMAS), fez um levantamento entre 2003 e 2005, debruçando-se durante quatro meses e meio, ano após ano, na busca das pessoas que viviam nas ruas.

A equipe da Secretaria percorreu 13 regiões do município, da Zona Central até a Zona Oeste, à noite, abordando individualmente pessoas que utilizavam as ruas como local de moradia, ou como pernoite provisório, para saber os motivos que os levaram a essa condição e suas formas e estratégias de sobrevivência nos espaços públicos.

Foi o primeiro levantamento qualificado sobre as condições dos moradores de rua realizado na cidade. A SMAS localizou, então, 1.682 pessoas em situação de rua na cidade. Os resultados foram publicados em 2006.

Em janeiro desse ano, o então secretário municipal da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH) da Prefeitura do Rio, em entrevista ao site G1, divulgou que no período correspondente aos anos de 2013/2015, de acordo com o número de fichas preenchidas durante o ano pelas equipes de abordagem da secretaria, os moradores de rua na cidade haviam triplicado, de 5.580 para quase 15 mil. Frente a esse dado, considerado alarmante, a SMASDH faria um novo levantamento.

A Coordenadoria de Integração e Monitoramento, da Subsecretaria de Integração e Promoção da Cidadania, da SMASDH, em parceria com o Instituto Pereira Passos, realizou, então, o levantamento “Somos todos cariocas”, com o objetivo de mais uma vez mapear, quantificar e captar informações sobre os moradores de rua na cidade do Rio de Janeiro.

Retratos da Intervenção - População de Rua - Foto 3.jpg

O estudo foi realizado em diferentes cenários, tanto nas ruas como também nas Unidades de Acolhimento da Secretaria, apontando para múltiplos aspectos.

Foram utilizados dois instrumentos na aplicação do levantamento – um questionário completo e um questionário de observação. O questionário de observação diz respeito ao morador de rua que não quis responder às perguntas, ou no momento do levantamento, estavam em “área de risco”. O pesquisador, então, preenchia o questionário segundo suas observações e percepção das condições da pessoa.

Alguns resultados

Número de Pessoas Entrevistadas

Local da Entrevista

Questionário completo

Questionário de observação

Total

Rua

1.777

1.938

3.715

Unidade de Acolhimento

902

11

913

Total

2.679

1.949

4.628

 

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Distribuição por atividade de geração de renda

Renda

Atividade

Rua

Unidade de Acolhimento

Total

Carregador/estivador

1,6%

0,8%

1,4%

Catador

26,8%

7,0%

20,4%

Construção Civil

1,7%

2,7%

2,0%

Engraxate

0,5%

0,1%

0,4%

Guardador de Carro

4,7%

1,2%

3,5%

Não respondeu

1,5%

0,6%

1,2%

Outro

8,0%

8,3%

8,1%

Pede dinheiro

1,4%

0,1%

1,0%

Serviços gerais /limpeza

1,7%

1,9%

1,8%

Vendas

11,5%

7,2%

10,1%

 

Apenas 49% relataram ter algum tipo de geração de renda. Vale a pena destacar que a atividade de catador se destaca como maior fonte de renda dos moradores de rua (20,4%), restando as demais atividades em torno de 1 a 2%.

As contradições do novo levantamento

O site Blog da Rua, que divulga notícias e informação para pessoas que trabalham com população de rua, chamou atenção para as contradições dos dados apresentados pela Prefeitura.  Em editorial, o site estranhava que após cinco anos, de 2013 para 2018, os números tenham triplicado – de 5.580 para 15 mil. E, agora, no novo levantamento, a Prefeitura tenha encontrado 3.715 pessoas em situação de rua.

Diz o Blog: “Estranho porque em 2013 vivíamos no Brasil o que os economistas chamam de pleno emprego. E, hoje, o desemprego bate recordes.” Mesmo assim, a população de rua diminuiu.

O Blog da Rua também relatou que pesquisas da Prefeitura do Rio em 2006, 2007 e 2008 não chegaram a contar 2 mil pessoas nas ruas. Em contraponto ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que contou 4.585 pessoas, ou seja, mais que o dobro de pessoas no mesmo ano. Mais uma vez citamos o blog analisando as discrepâncias na contagem: “Já o número de pessoas em situação de rua (os dados foram cruzados para se evitar contar duas vezes a mesma pessoa) atendidas nos CREAS, Centro-Pop e abrigos da cidade do Rio de Janeiro, entre 2012 e 2015, variaram de sete mil a 17 mil pessoas. Ou seja, essas pesquisas dizem mais sobre nossa capacidade de contar do que efetivamente sobre o número de pessoas em situação de rua”.

 

Entrevistas

Entrevistamos dois moradores de rua, de áreas distintas da cidade - Centro e Zona Sul. É importante salientar aqui que as respostas mostram um nível de informação e articulação diferenciado. Ainda que este perfil não corresponda à grande maioria das pessoas em situação de rua, ele indica, porém, um recorte importante entre os moradores de rua.

Entrevista 1 - Morador da área do Centro

Você acha que tem menos gente morando nas ruas?

Não, ao contrário aumentou. E nenhuma solução está sendo tomada que venha melhorar esse caos. Eu sou de Alagoas, inclusive quero ir embora para meu estado.

Qual o maior problema de estar nas ruas?                                                                                        

A situação política, familiar, social. A desigualdade social. Teria que passar pela fonte política e pensar que teria que fazer para melhorar esse problema.

E essa onda de violência na cidade? Você já sofreu alguma violência?

Não dá pra focalizar, ela está em todos os lugares. Você pode ser o violentador e o violentado. Já sofri violência sim, de pessoas de rua mesmo. O que preocupa mesmo é a violência que vem das pessoas que têm suas casas, porque os que estão na rua a gente está preparado.

Qual a estratégia para se proteger na rua?

Primeiramente faço minhas orações, mas pra não ficar apenas na fé, fico em lugar que tem mais gente, uma guarita policial, e aí a gente vai vivendo, deita em qualquer lugar e Deus protege.

Está na rua há quanto tempo?

Cinco anos. Geralmente no mesmo lugar, mas às vezes eu circulo.

Qual sua idade?

42 anos

 

Entrevista 2 – morador de rua na área da Zona Sul

Você acha que tem menos gente morando nas ruas?

Não, muito pelo contrário, com a crise que o País está vivendo e as diferenças sociais que endureceram na era pós-Lula, o País caiu numa grande recessão, e mais pobres vêm pra rua para buscar uma solução de vida.

Qual o maior problema de estar nas ruas?

A própria sobrevivência, eu, por exemplo, tenho um terreno na Babilônia (favela da Babilônia, Zona Sul da cidade), então fico na rua para conseguir alguma renda e conseguir construir pelo menos um cômodo.                                                                                                 

E essa onda de violência na cidade? Você já sofreu alguma violência?

O descaso das autoridades, o desumanismo das pessoas, o tocante à violência só tende a ser pior porque as pessoas estão se afundando nas drogas, em atos ilícitos. O desamparo faz com que as pessoas façam violência, falta de amor, falta de oportunidade. Já sofri violência na rua; as pessoas acham que porque você está na rua é ignorante. As pessoas de fora não me fizeram violência, foram os moradores de rua mesmo. Mas a violência pior é o preconceito, eu sou preto e essa violência é a pior para mim.

Qual a estratégia para se proteger na rua?

A estratégia é você não bater de frente, não confrontar as pessoas. Por exemplo, às vezes o morador de rua dorme mais tarde, em um lugar que não pode, então acontecem certas violências.                                                                                              

 Está na rua há quanto tempo?

Há dois anos, sempre na Zona Sul. Eu sou catador de latinhas. Na Zona Sul, é melhor porque as pessoas têm um poder aquisitivo melhor.

Qual sua idade?

44 anos