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Praça pública e medo

A praça e a cidade

As praças são consideradas o coração de uma cidade. Surgiram na Grécia antiga e eram chamadas de fórum ou ágora. Eram espaços de manifestação e encontros de coletivos. Filosofia, cultura e política eram discutidos nessas praças, em espaços públicos, à vista dos transeuntes e cidadãos.

Com diferentes tratamentos urbanistas, ao longo dos tempos e em culturas diversas, as praças se constituíram como local de encontro e celebração. No Brasil imperial, em geral, as praças eram construídas em frente às igrejas, possibilitando a inclusão de festividades e comércio após a missa.

Na modernidade, além de espaços para comércio e eventos locais, as praças se tornaram espaço de encontro de crianças e idosos. Na cidade do Rio de Janeiro, a missão de cuidar das praças públicas é da Fundação Parques e Jardins, da Prefeitura do Rio. A Fundação que estima existirem cerca de 1.700 áreas de praças, sendo que destas somente 900 estão urbanizadas e 38 são parques.

Para valorizar e fortalecer a função social da praça, a prefeitura criou e implantou projetos de instalação de brinquedos e de aparelhos para exercícios voltados especificamente para os idosos. O Projeto Academia da Terceira Idade promove atividades físicas de segunda à sexta, das 7h às 10h, chegou a ter 300 unidades na cidade, com cerca de 10 mil frequentadores.

Violência e praça

A queda crescente na frequência da população aos espaços de uso comum como as praças em contraponto à crescente tendência de “privatizar” os espaços de lazer, trazendo-os para áreas cercadas e de acesso restrito, são bons indicadores da sensação de insegurança e medo dos moradores da cidade do Rio de Janeiro.

Quanto mais a população em geral evita frequentar esses espaços por causa do medo, maior é a sensação de insegurança e menor o próprio controle social, já que os locais públicos de lazer vão ficando abandonados. E quanto mais vazias, mais as praças se tornam espaços de ocupação de pessoas em situação de rua ou que fazem de drogas ilícitas.

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Essa ocupação irregular traz depredação e sujeira e aumenta ainda mais o esvaziamento de espaços que sempre foram considerados como o coração da cidade. A praça pública como local de lazer e encontro da comunidade vem cedendo seu espaço para os indicadores da fragilidade da segurança na cidade. O esvaziamento das praças se torna um símbolo urbanístico do medo e da desordem urbana.

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Praça Serzedelo Correia, a realidade do medo numa praça pública de Copacabana

O Observatório visitou uma tradicional praça da cidade, no bairro de Copacabana, Zona Sul, para observar a ocupação e ouvir alguns usuários do espaço. A praça foi inaugurada em 1893 pela companhia Ferro Carril quando lá instalou a estação de bondes. Em 1910, foram feitas melhorias no espaço pelo então prefeito Serzedelo Correa e, em 1917, a praça recebeu seu nome, em sua homenagem.

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A Serzedelo Correia está localizada na avenida mais movimentada do bairro. É cercada por grades e tem um enorme portão, que só fica aberto durante o dia.  No entorno da praça, há prédios comerciais e residenciais, uma igreja e bares.

A praça é principal ponto de encontro de idosos que moram nas redondezas. É conhecida também como “a praça dos paraíbas”, devido ao grande número de nordestinos que trabalhavam na construção dos prédios na fase de maior crescimento do bairro e que descansavam no local na hora do almoço.

Enfim, a Serzedelo Correia é uma das praças mais tradicionais do Rio. Mas, mesmo os frequentadores mais assíduos começam a perceber as ameaças que a violência urbana vai trazendo mesmo para dentro das grades que prometem segurança.

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Entrevistas

Entrevista 1 - D. Isaura, de 72 anos, moradora do entorno da Praça Serzedelo Correia

D. Isaura, há quantos anos a senhora frequenta a Praça Serzedelo Correia?                             

Eu frequento a praça desde criança quando meus pais mudaram para Copacabana. Já faz uns 60 anos.

E como era a praça? O que acontecia na praça?                                                                       

A praça era onde pegávamos o bonde. Também passeávamos na praça depois da missa. Lembro que esperava o domingo, pois sempre ganhava, quando saía da missa, um doce puxa-puxa. Durante toda minha juventude, tinha um senhor que vendia na praça e as crianças adoravam. Todo ano a igreja organizava uma quermesse e as barracas ficavam na praça. Quando casei e tive filhos, a babá trazia as crianças para brincar todo dia. Quando minha filha teve filho, ele também vinha brincar aqui.

A Senhora ainda vem na praça?                                                                                                      

Não. Evito. Passo por ela quando vou à missa, mas só venho acompanhada. Tenho medo de ser assaltada. Aqui tem muito pivete e eles vêm para cima pedindo dinheiro de um jeito que dá medo. Também falo com minha filha para não deixar meus netos e bisneto virem. Tem muita gente que dá medo e muita droga de dia e de noite. Melhor ficar em casa mesmo. Teve um tempo que a igreja fazia uma sopa para dar para os moradores de rua e minha filha ajudava. Mas começou a dar tumulto e parou. Agora, até ajudar ficou complicado.

O que a senhora acha que devia mudar?                                                                           

Acho que tinha que cuidar mais. Deixar sempre com policiamento. Consertar os brinquedos e cuidar da limpeza. Colocar mais iluminação. Mas não adianta cuidar se não tiver segurança. Acho que se a praça fosse assim limpa e policiada, todo mundo ia querer frequentar.

Entrevista 2 - Conversamos também com D. Maria, de 45 anos, que dorme e vende velas próximo à escadaria da Igreja

Dona Maria há quantos anos a senhora dorme aqui na praça? Eu comecei a vir quando perdi o emprego. Faz uns 10/15 anos. Minha vizinha vinha e falou para mim que dava para tirar um dinheiro e ainda ganhar coisas das madames.

A senhora tem casa?                                                                                                       

Tenho. Moro em Antares, em Santa Cruz. Venho com minhas amigas na sexta e vou embora no domingo. Não dá para ir para casa todo dia que a passagem fica muito cara e tem que estar aqui bem cedo para pegar o movimento.

A senhora sobrevive do que ganha aqui?                                                                                           

Sim. Durante a semana eu cuido da casa e faço esses artesanatos que vendo junto com as velas. Lá em casa somos em cinco. Eu, minhas duas filhas e mais o filho da minha filha.

Eles vêm com a senhora?                                                                                                                  

Não. Não passo por esse sofrimento para ver filho meu na rua. É muita humilhação... Minhas filhas trabalham e meu neto estuda.

E nesse tempo em que a senhora frequenta a praça, o que mudou?

Mudou muito... Não tinha essa coisa de usar droga na cara de pau. Não tinha assalto do jeito que é hoje. Se a gente não cuidar e vigiar as coisas o tempo todo, passam a mão... As madames também não dão mais coisas como antes. Passam sempre rápido, sem parar para conversar... Uma tristeza.

E o que a senhora acha que devia mudar?                                                                      

Não sei...Acho que ter mais polícia, né? Dar assim uma segurança para a gente.