Seu browser não tem suporte a javascript!

Violência contra travestis e transexuais

Em 2014, no Rio de Janeiro, um pai espancou até a morte o filho de oito anos para ensiná-lo “a ser homem”. O menino vestia roupas femininas e rebolava enquanto lavava a louça. 

Para o pai, ele não podia nem sequer gostar de lavar louça, “coisa de mulher”. Então, vestir-se de mulher e rebolar foram a sentença de morte para o menino franzino, que chegou morto ao posto de saúde na Vila Kennedy, Zona Oeste da cidade, com marcas de espancamentos contínuos.

A história dessa criança repete a de muita gente. A violência esteve presente na vida de homossexuais por muito tempo e para os travestis, que ousaram reinventar os códigos do feminino/masculino, ela é companheira de todo dia.


Prostituição

A transfobia, que é o ódio e a discriminação a travestis, transexuais e transgêneros, impacta profundamente as oportunidades e condições de vida deste grupo. A prostituição acaba sendo a única saída para a geração de renda, o que mais uma vez soma elementos para a discriminação.

Estimativa feita pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a partir de dados coletados em todo o Brasil, apontava que 90% das pessoas trans recorrem à prostituição ao menos em algum momento da vida.

Somam-se às dificuldades do próprio mercado, as privações dos travestis que geralmente têm baixa escolaridade e pouca qualificação profissional, devido a todo o processo de exclusão social e familiar.

Sem uma legislação que garanta espaço no mercado de trabalho, apenas algumas empresas, em geral multinacionais, têm políticas de emprego de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT). Como num labirinto sem saída, a condição de vida dos travestis, empurrados para uma espécie de gueto noturno, os coloca num cenário de maior vulnerabilidade à violência.

Travestis

O termo travesti é usado principalmente nos países da América Latina, Espanha e Portugal. Apesar de muitas divergências, a comunidade LGBT considera travesti uma “identidade de gênero” que, apesar de usar roupas femininas e mesmo utilizar hormônios para a transformação do corpo, não rejeita sua genitália.

Ainda que alguns acabem se submetendo a cirurgias de redesignação sexual, a maioria dos travestis opta por manter sua genitália, o que os diferencia dos transexuais, que sentem uma total inadequação com seu próprio sexo anatômico.

A violência na vida dos travestis

Enquanto a expectativa de vida da população brasileira é de quase 75 anos (IBGE), os travestis têm uma expectativa de 35. Essa é a afirmação de estudiosos ao apontar que travestis e transexuais femininas constituem um grupo de alta vulnerabilidade à morte violenta e prematura no Brasil. E os números comprovam a tese.

Segundo dados da ONG Transgender Europe (TGEu), publicados em 2016, o Brasil matou 868 travestis e transexuais em oito anos. Um dado assustador, que coloca o país no primeiro lugar entre aqueles com maior número de registros de homicídios de transgêneros.

E ainda: matamos três vezes mais que o segundo colocado, o México, com 256 mortos no mesmo período – entre janeiro de 2008 e julho de 2016.

Cabe apontar que os números, na verdade, podem não descrever a realidade da violência contra essa parcela da população. Os dados computados são aqueles referentes às ocorrências que foram efetivamente registradas. Muitas vezes o homicídio não é registrado como “morte de travesti” ou crime transfóbico.

O preconceito pode determinar até a forma como a morte é narrada – “morte de homem vestido de mulher”, por exemplo.

Dados mais recentes, do relatório da Antra, mostram que, entre janeiro e dezembro de 2017, houve 179 assassinatos de travestis, mulheres transexuais e homens trans no país. O que significa que a cada 48 horas um travesti ou mulher transexual é assassinado.

Esse número corrobora os dados da TGEu, mostrando um aumento consistente de crimes ao longo dos últimos anos.

Evolução de assassinatos de trans

O levantamento aponta que a idade média das vítimas dos assassinatos é de 27,7 anos, reafirmando a tese da curta expectativa de vida do grupo.

Quadro faixa etária trans

O bairro da Glória como espaço de prostituição e violência

É um bairro tradicional do Rio de Janeiro, com bares, restaurantes, praças e prédios arquitetônicos. Localizada no coração da cidade, ao lado do Centro, lugar de negócios, a Glória tem uma avenida de nome Augusto Severo, conhecida como o reduto dos travestis. É um território histórico da prostituição trans na cidade.

A Augusto Severo é um ponto de prostituição com bastante visibilidade e o imaginário da população reconhece esse lugar como cenário de violência, uso de drogas e degradação social.

Para os travestis, a rua, seu local de trabalho, precisa ser conquistado diariamente. Há disputas de espaço entre eles, enfrentamento das manifestações de discriminação e rejeição da cidade, e também dos clientes, que podem ser abusivos e agressivos.

Moradores do bairro também batalham pela erradicação do ponto de prostituição, com inúmeras queixas e campanhas, acionando vereadores e autoridades. A questão, sempre em pauta, é que travestis devem ocupar espaços longe da vista de moradores. Seu lugar deve ser o das ruas escuras, em becos distantes, em qualquer lugar, menos “aqui”.

 

Entrevistas

Jaqueline - travesti vítima de violência

Que tipo de violência você sofreu?

Estava na pista e parou um carro cheio de rapazes que começaram a xingar, jogar ovos, até o extintor de incêndio, tapetes... tudo para agredir. E desceram do carro para agredir.

Você tem o apoio de sua família?

Foi muito difícil por ser de uma família tradicional nordestina. Minha família não aceitava meus trejeitos, me chamava atenção sempre. Meu pai veio a me aceitar anos depois de eu ter saído de casa.

Você trabalha na prostituição há quanto tempo?

Trabalhei por nove anos seguidos em Copacabana e na Suíça.

Você acha que a violência nas ruas melhorou?

Não. Até hoje nada mudou.

Você consegue ver saídas ou soluções para diminuir a violência contra os travestis?

Acho que uma lei de punição nos casos de violência e preconceito. Mas uma lei severa, principalmente nos de mortes. E também acho que a gente deveria ter oportunidades no trabalho, de capacitação, para não ter como única opção a prostituição.

 

Entrevista 2- Hilary- travesti que já praticou violência

Já praticou que tipo de violência?

Violência não. Só furto.

Já ficou presa?

Algumas vezes... na verdade três vezes.

O que levou você a furtar?

Drogas, uso e não tenho grana para comprar.

Com quem você foi violenta?

Já roubei dos meus clientes e com as pessoas nas ruas também.

Se arrependeu de ter praticado?

Nem penso nisso. Verdade que ficar presa é muito ruim, mas fico desesperada e quando vejo já fiz.

E seus parentes dizem o quê?

Não estão nem aí pra mim, só me rejeitam.

 

Entrevista 3 – Marcos, cliente vítima de violência

Como foi ser vítima de violência?

Foi horrível, levei um susto, achei mesmo que ela não iria fazer o que fez. Dei mole.

Qual foi a violência sofrida?

Briga corporal porque ela furtou meu dinheiro

Você prestou registro policial?

Pensei em fazer, mas fiquei pensando no pessoal lá de casa. Já pensou se descobrissem que eu estava com um travesti?

Por que você se relaciona com travestis?

Na verdade gosto da parte corporal delas, e também o sexo, tem muita garota roda presa.

Já pensou em assumir um relacionamento mais sério com um travesti?

Compromisso sério, não!

Você reencontrou o travesti que te agrediu?

Sei por onde ela anda, mas não quero nem ver.