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Violência contra crianças e adolescentes

O estado do Rio de Janeiro terá uma Delegacia Especializada de Repressão Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. A Lei 8089, de 28 de agosto desse ano, promulgada pelo governo do Estado, determina que o Poder Executivo regulamente a lei, dando forma a nova delegacia.

A Secretaria, que ficará vinculada a Secretaria Estadual de Segurança Pública, tem entre suas atribuições “registrar, investigar, abrir inquérito e adotar todos os procedimentos necessários para a defesa de crianças e adolescentes contra abusos sexuais, exploração sexual, exposição indevida, pornografia infantil, pedofilia e quaisquer outros tipos de conduta que os coloquem em situação de risco, objetivando sua efetiva proteção”.

A medida representa um avanço na abordagem à questão do abuso de crianças e adolescentes. O estado carece de informações e de políticas públicas realmente eficazes na investigação e punição deste tipo de crime. 

1. A dificuldade do registro de informações

Na verdade, o país tem poucas ferramentas, hoje, para dimensionar o tamanho do problema do abuso e da violência sexual contra crianças e adolescentes. O sistema de disque-denúncia é uma delas, e muitos estados utilizam a ferramenta para ter um quadro aproximado da realidade.  Outra forma de conseguir números é recorrer às estatísticas do Sinan, Sistema de Informação de Agravos de Notificação, do Ministério da Saúde.

O sistema registra os casos de doenças e agravos que constam da lista nacional de doenças de notificação compulsória. Nesse caso, os registros do abuso sexual de crianças só ocorrem quando as vítimas chegam a entrar no sistema de saúde para sanar os danos causados pela violência sofrida.

A BBC Brasil, em matéria sobre violência sexual contra crianças, revelou um vazio na área de informações sobre a questão. Segundo denunciou, não existem dados sobre o percentual de denúncias de violência sexual contra crianças que resultavam em abertura de inquérito e possível punição de culpados ou informações centrais sobre crianças reportadas como vítimas em denúncias, como saber se estão em segurança.

Como pensar em políticas públicas e criar estratégias de combate ao problema sem dados e informações fidedignas?

2. Os números de uma tragédia silenciosa

Mas os números disponíveis são assustadores. Em 2016, o Sinan registrou 22,9 mil atendimentos a vítimas de estupro no Brasil. Em mais de 13 mil deles - 57% dos casos - as vítimas tinham entre 0 e 14 anos. Dessas, cerca de 6 mil vítimas tinham menos de 9 anos.

Entre janeiro e maio de 2017, segundo dados do Centro de Atendimento ao Adolescente e à Criança (Caac) da Polícia Civil, localizado no hospital Souza Aguiar, form registrados 88 casos de estupro no estado.

Se for considerado que a grande maioria das vítimas de abuso, exploração sexual, pedofilia, não chega a acessar serviços de saúde, assistência social, ou de segurança, é possível vislumbrar uma tragédia silenciosa acontecendo nos lares brasileiros.

Isso porque crianças e adolescentes estão em condições de vulnerabilidade dentro da própria esfera doméstica. Pesquisas mostram que os autores da violência são familiares, pais, padrastos e pessoas de “confiança” da família.

Dados do Dossiê Criança, do Instituto de Segurança Pública, com base nos registros de ocorrência da Polícia Civil entre 2010 a 2014, indicam que pelo menos 70% são conhecidos, entre familiares ou amigos da família. 

Em 2017, relatório feito pela Polícia Civil registrou que mais de mil crianças e adolescentes sofreram algum tipo de violência sexual no estado do Rio de Janeiro entre 1º de janeiro e 20 de agosto de 2017. Esses dados provocaram o projeto de lei de criação da Delegacia Especializada de Repressão Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Segundo o relatório, foram registrados 1.069 casos de estupro de vulnerável, quando a vítima é menor de 14 anos e 31 casos entre adolescentes maiores de 14 e menores de 18 anos, um total de 1.100 registros.

A delegada da Polícia Federal Paula Mary Albuquerque, da Delegacia de Defesa Institucional, investiga crimes de pedofilia na internet, com compartilhamento de vídeos e fotos de crianças e adolescentes. Os números do estado do Rio mostram que 40,5% dos casos ocorreram no interior do estado.

Entrevistas

Entrevista 1 – Menina em situação de rua, 13 anos.

Há quanto tempo você está na rua?

Não sei direito não. Não contei, né? Mas acho que saí de vez de casa foi em março, sei lá.

O como é que você está vivendo assim? Como tem sido viver na rua?

Pra mim, tá bom. Eu tenho amigos aqui. As meninas me aceitaram, cuidam de mim. Meu namorado também cuida de mim. Eu tô de boa.

Eu queria saber porque você saiu de casa. Você pode me falar?

Eu saí por causa do namorado da minha mãe que queria me pegar. Era minha mãe sair pro trabalho e ele vir pra cima de mim. Velho nojento.

E eu falo assim que foi por causa dele, mas foi por causa é da minha mãe, aquela vaca. E falei pra ela o que ele tava fazendo. E ela mandou que eu é que tava provocando ele! Perguntou se eu tava querendo o homem dela. Aquele velho fedido... Aí eu eu falei pra mim “vou meter o pé”. E meti mesmo. Não voltou mais pra lá.

Mas como é que você se vira aqui, dormindo na rua...?

A gente se vira, tia. A gente tá bem. De vez em quando eu vou na casa da minha avó pra ver ela. Ela me dá um dinheiro.

Eu só fico assim é porque não trouxe a minha irmã menor comigo. Ela tem sete anos, ficou lá. Eu devia de ter trazido ela. Mas depois eu resolvo isso.

Entrevista 2 – Assistente social do CREAS

Um dos focos do trabalho do Centro de Assistência Especializado de Assistência Social é atender crianças vítimas de violência sexual. Você lida com isso no seu dia a dia?

Lido sim. Muito mais do que você imagina. Mas é uma questão muito, muito delicada. A gente lida com casos muito complicados, que envolve pais, responsáveis...

Mas como é o procedimento?

É o que eu estou lhe dizendo. O atendimento precisa ser muito cuidadoso, porque é uma questão complexa. Você imagina a desestruturação que causa numa família descobrir, por exemplo, que o pai está abusando de uma filha, ou de um filho?

Então, o nosso trabalho é de construir confiança para que o abuso seja realmente revelado e principalmente criar com aquela família o caminho de saída da situação.

Como é isso de revelar o abuso? Você já não saberia que está acontecendo?

Sim. Mas há muita negação da família. É uma coisa difícil de admitir. Tem mães que negam, não conseguem aceitar, até porque aquilo vai destruir toda a sua estrutura de sobrevivência, por mais precária que seja, é a estrutura que ela tem.

Então é como se existisse a necessidade de manter o abuso escondido?

Mais ou menos isso. Não é uma coisa consciente, planejada, mas acontece sim, da pessoa ter dificuldade de ver, de aceitar.

Não é difícil para nenhum de nós imaginar o que é isso no âmbito de uma família.  Mas o que é importante ressaltar é que a criança ou adolescente precisa ser protegido! Esse é um direito que a gente tem que garantir. O que precisamos é organizar o trabalho, garantir políticas públicas que deem conta do problema. Não importa o quanto ele seja difícil, temos que apresentar caminhos, soluções.