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Violência e intervenção policial

O tráfico de drogas, que domina grande parte das favelas do Rio de Janeiro, aparece em todos os debates sobre violência como um dos mais graves fatores dos elevados índices de homicídios e outros crimes.

O combate ao tráfico, ao longo de quase três décadas, tem se caracterizado pela lógica de “guerra às drogas”, com foco em ações episódicas das forças policiais nas periferias e favelas. Essa lógica tem determinado um número muito elevado de mortes violentas não apenas das pessoas ligadas diretamente à criminalidade, mas também de moradores e de policiais.

Legislação

A Lei Antidrogas, Lei 11.343, é criada em 2006, unindo dois conceitos e correntes divergentes, ambas da década de 90: a corrente proibicionista e a prevencionista, que propõe um trabalho na redução de danos e na desestigmatização dos usuários ou dependentes.

Na Lei 11.343, a principal mudança foi a eliminação da pena de prisão para o usuário ou aquele que detém a droga para consumo pessoal. No entanto, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), de 2015, mostrou que entre os anos de 2005 e 2015 houve um aumento de 447% no número absoluto de pessoas presas acusadas ou condenadas por crimes ligados ao tráfico de drogas no Brasil.

Na cidade do Rio de Janeiro, com suas características geográficas, históricas e socioeconômicas, que determinaram a ocupação de morros e vales de difícil acesso por moradores de baixa renda, constituindo as favelas, a grande maioria dominada pelo tráfico de drogas. Especialmente nessas comunidades, a repressão ao tráfico tem resultado num número muito alto de mortes – entre moradores, traficantes e policiais.

Os números da mortalidade

O número de mortes por intervenção policial mais que dobrou nos últimos cinco anos. Entre janeiro e julho de 2013, 236 pessoas morreram em ações da polícia no Rio de Janeiro. Nos sete primeiros meses de 2018, ocorreram 895 mortes, um aumento de 279%. A média mensal que era de 33 mortes passou para 127.

Retratos da Intervenção - Morte por intervenção policial - Total mortes.jpg

O Rio abriu o ano de 2018 com 157 mortes por intervenção policial ainda em janeiro. Foi o mês com maior número de mortes desde 1998, quando o Instituto de Segurança Pública começa a monitora e registrar os índices. E o pior do ano de 2018 até aqui.

Retratos da Intervenção - Intervenção policial - Mortes por meses 2018.jpg

Especialistas apontam que o número de mortes aumenta na medida em que as intervenções policiais e militares se intensificam. A promotora de Justiça Somaine Cerruti, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais do Ministério Público do Rio de Janeiro,  declarou, em entrevista ao G1, que o crescimento no número de mortes é fruto de uma ação maior das polícias: "É claro que esse número (de mortes em confronto policial) vai aumentar em razão de uma atividade mais intensa das Forças de Segurança contra a criminalidade em nosso estado".

Morte de policiais

Um número significativo de policiais também tem morrido em confrontos com traficantes ou mesmo quando, fora do serviço, são mortos quando criminosos descobrem, durante um assalto, os identifica por meio dos documentos.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2017, 165 policiais militares foram mortos em confronto e em serviço nos anos de 2015 e 2016. Dentre os estados com o maior número de vitimizações está o Rio de Janeiro, com 63 casos, seguido por São Paulo, com 32 casos.

 

Retratos da Intervenção - Intervenção policial - Policiais mortos.jpg

Dados do Instituto de Segurança Pública revelam que nas ocorrências de morte de policiais em serviço, entre 2015 e 2017, foi possível identificar, em 96,7% dos casos, o local onde eles foram mortos. Analisando esses casos, observa-se que 75,3% dos policiais militares foram mortos em serviço por letalidade violenta e, desse total, 82,1% ocorreram em áreas sob foco especial ou em até 500 metros do seu entorno. Ou seja, em áreas de conflito com o tráfico de drogas.

Entrevista com policial militar, morador de Bangu, Zona Oeste do Rio

Você perdeu companheiros em intervenções em favelas, não é?

Perdi amigos e companheiros nessa guerra. Porque é guerra. Para civis pode não parecer, para quem tá aqui fora... Mas estamos numa guerra sim.

Como foi a morte dos seus companheiros?

Na favela. Numa operação na favela. Os traficantes devem ter sido avisados da operação e estavam bem organizados lá em cima. Foi muito difícil.

E eu vi um menino morrer. Um cabo, um cara novo, começando na polícia... Desculpa, eu não consigo falar nisso sem me emocionar. Não é fraqueza não. Mas dói muito.

Olha, isso é uma coisa que eu não vou esquecer nem se eu viver duzentos anos. Ele reclamava que estava sentindo dor...  Ele morreu na nossa mão, ali. E como é que você volta com o corpo de um companheiro, morto na favela ali do lado, rapaz? E como vai dar uma notícia dessas para uma mãe?

Isso afeta o trabalho, afeta o batalhão?

Afeta da pior maneira que você pode pensar, porque a primeira coisa que a gente pensa é em dar uma resposta. A gente precisa voltar lá, no mesmo lugar, para achar quem fez aquilo. A gente não pode deixar sem resposta. Porque se a corporação não der uma resposta, daí a gente tá perdido. Enfraquece o moral, enfraquece o grupo, que já tá arrasado com a perda do companheiro para bandido. Você pode imaginar o que é isso? A tensão é muito grande, e a gente entra já com o emocional abalado, né?

Mas esse clima não prejudica a operação, o desempenho dos policiais?

Eu tenho que ser sincero, né? Prejudica sim. De verdade, os policiais no Rio de Janeiro hoje vivem estressados ao extremo. O trabalho é estressante, ninguém entrou aqui achando que ia ser facinho não. Mas as condições que a gente está vivendo agora chegam a ser insuportáveis.

A intervenção do Exército aí veio na hora certa. Muitos companheiros não gostaram. Mas eu acho que a gente precisa mesmo de reforço. Não dá pra seguir sem estrutura nenhuma, com poucos efetivos e com muita gente emocionalmente abalada.