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Vitimização de policiais

1 – Contexto de mortes violentas no Estado do Rio de Janeiro

As estatísticas de letalidade violenta no estado do Rio de Janeiro são destaques no cenário nacional. Na categoria letalidade violenta estão incluídas as mortes por latrocínio, lesão corporal seguida de morte, homicídio doloso e aquelas decorrentes de oposição à intervenção policial (antigos “autos de resistência).

Um balanço divulgado pela plataforma digital colaborativa “Fogo Cruzado”, que objetiva registrar a incidência de tiroteios no estado do Rio de Janeiro, indicou que o número de tiroteios na capital, no período de fevereiro a julho de 2018, foi 37% maior do que nos 5 meses anteriores.

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 O Instituto de Segurança Pública (ISP) divulgou um aumento de 59,8% das mortes decorrentes de intervenção policial entre os meses de junho de 2017 e junho de 2018.

 

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 Esses números apontam a extensão de ações de confronto e letalidades nos quais a polícia está envolvida, e formam um contexto geral de violência que tem como produto um alto número de mortes. Sejam aquelas provocadas pelos confrontos com a ocorrência policial sejam aquelas nos quais os policiais são vítimas de homicídios.

Para muitos especialistas, a política de segurança que prioriza as estratégias de enfrentamento é a grande responsável pelo alto número de policiais mortos.

2 – Dados sobre a vitimização de policiais

No relatório do Coronel da PM, Fábio R. B., presidente da comissão de Análise da Vitimização Policial, encontramos dados sobre a letalidade policial de 1994 a 2016.

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(Tabela extraída do relatório “A Guerra Urbana não declarada no RJ e seus efeitos na PMERJ – Site oficial da PMERJ)

A letalidade policial considera os casos de mortes em serviço e os casos de mortes em situação de folga na medida em que policiais tem sido mortos – fora do âmbito de sua atuação profissional - por criminosos ao serem reconhecidos como policiais.

O relatório aponta também que as mortes decorrentes de doenças ocupacionais pelo alto nível de stress a que são submetidos, não contabilizadas, pode alterar significativamente esses números.

Em 23 anos, de 1994 a 2016, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro teve 3.234 mortos e 14.452 feridos com um efetivo contabilizado nesse período de 90.000 policiais.

Segundo dados de 2017, coletados pelo Monitor da Violência, o Rio de Janeiro é o estado com maior número absoluto de mortes de policiais no Brasil.

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Em 2018 sessenta policiais foram assassinados até 12 de julho no rio de janeiro.

 Policia quinto.JPGOBS: Dados de 2018 até 12 de julho.

 

Até o dia 19 de julho de 2018 o Estado do Rio de Janeiro contabilizou 50 mortes de policiais.

Destes, a PMERJ informa que 74% não estavam em serviço: 32 estavam de folga, 13 em serviço e 5 eram reformados e/ou da reserva.

 

3 – Propostas para redução da vitimização

Em 31 de janeiro de 2017 a PMERJ realizou um fórum sobre a vitimização do policial militar e criou em seu site uma página interativa aonde são divulgados estudos e proposta de profissionais da corporação para enfrentar e minimizar os efeitos da vitimização.

O Tenente Coronel Psicólogo Fernando Carvalho Dereneesson apresentou estudo sobre alguns impactos clínicos e psicológicos da corporação. Um dos itens destacados na pesquisa foi os maiores fatores de estresse institucional e organizacionais. Os cinco maiores fatores apresentados foram:

  1. Falta de recursos
  2. Sentir-se pressionado a trabalhar na folga
  3. Equipamento inadequado
  4. Fadiga (em função da organização das escalas)
  5. Risco de ser ferido

 

Chama a atenção que o risco de ser ferido, após a análise dos números envolvidos de mortes e ferimentos, esteja apenas em quinto lugar.

Apresenta também o padrão da vitimização psicológica:

1º momento: Adoecimento silencioso - policial não admite o sofrimento por

  • Cultura organizacional do “forte”
  • Medo da discriminação (ser encarado como maluco ou armador)
  • Dificuldade em ter tempo para cuidar da própria saúde
  • Medo de perder o porte de armas (sentir-se indefeso ou perder gratificações)

 

2º Momento: O período do afastamento

  • Sentimento de estar sendo tratado com desconfiança por colegas e superiores

-  “Estou de licença e já falaram para mim: você vai ser bicado”;

-  “Como me transferiram de LTS? Isso é um desrespeito! Me ligaram e disseram: vem aqui hoje pegar sua transferência”;

- “Muitos comandantes acham que você pega licença e tá de brincadeira. Quando volta ele te bota para trabalhar no pior serviço. Aconteceu comigo e baixei de novo!”;

- “O coronel falou comigo: você está de licença? Eu vou botar você na rua! Vou mandar a P2 atrás de você!”;

-  “Você luta contra a instituição! O psiquiatra nem olha na sua cara”; 

-  “Eu não tenho privacidade nenhuma para falar com a psiquiatra, como eu posso contar os meus problemas?”;

-  “Quando você adoece te olham de cara feia! Você entra na P1 e já te olham: quando você voltar está ferrado! O que eles fazem: te colocam numa escala extra, te trocam de ala, etc.”

3º Momento: tentativa de readaptação

  • No retorno ao serviço (apto c): dificuldade de readaptação nas unidades.
  • Provocações de colegas e superiores
  • Não conseguir trabalhar novamente na mesma unidade/ área onde sofreu acidente (e não conseguir transferência para outra unidade)
  • Transferências para unidades distantes (dificuldade de deslocamento e encarecimento do mesmo)
  • Questão da UPP – readaptação em apto c: como tornar este apto c possível? (dificuldade de o policial chegar à UPP sozinho e desarmado).
  •    Resultado destes fatores: não sustenta a volta ao serviço

 

O Tenente Fernando Carvalho finaliza propondo parcerias com outras instituições de saúde para serviços de prevenção ao suicídio, acompanhamento psicológico obrigatório após afastamentos, mutirão de avalições para reforma de profissionais com menos de 10 anos de serviço afastados em licença de trabalho psiquiátrica e a participação de médicos civis nos laudos sistemáticos de afastamento.

 

4 – Entrevistas

Entrevista 1- Paulo, 28 anos, Policial Militar na Cidade do Rio de Janeiro há 4 anos

Paulo, porque você escolheu ser policial militar?

Eu sempre quis desde menino. Achei que era heroico...

E hoje? Como essa expectativa se concretizou?

Hoje se eu pudesse voltar no tempo eu procurava outra coisa. Esse ano já perdi dois amigos que morreram e deixaram família. Sei que coloco minha família em risco não só por poder morrer a qualquer momento mas porque só eles andarem junto comigo estão em risco.

Sinto que a profissão que escolhi, sabendo que podia dar minha vida, não tem valor. A gente trabalha com condições péssimas. Sem arma, sem equipamento adequado... Com uma jornada de trabalho absurda, ganhando pouco... Quando um PM morre tem gente que comemora como se nós fossemos o inimigo...

E na sua opinião o que devia mudar?

“Quase tudo. Estamos em guerra. Devia ter muito mais efetivo. Devíamos ter equipamentos modernos... A justiça tinha que mudar. A gente prende bandido e no outro dia tá solto. Assassino saindo da cadeia para passar feriado, dia dos pais em casa? Palhaçada isso... Depois vagabundo não volta e temos que correr atrás de novo? Me sinto enxugando gelo...”

 

Entrevista 2 - D. Sara, de 67 anos, viúva e mãe de dois policiais militares

D. Sara o que a senhora achou dos seus filhos seguirem a carreira de policial militar do seu marido?

Eu senti medo. Mas desde de que eles eram crianças sabia que ia acontecer. Eles admiravam muito o pai e diziam que quando crescessem iam ser policiais também.

E como a senhora vê o trabalho deles?

Se antes tinha medo, agora fico apavorada. Só consigo relaxar quando eles me ligam dizendo que chegaram em casa. Cada vez que o telefone toca eu tremo toda achando que aconteceu alguma coisa com eles. Vejo que eles arriscam a vida a troco de quase nada. Não tem reconhecimento do trabalho e a estrutura de trabalho é muito ruim. Sei porque leio nos jornais porque eles evitam me falar as coisas. Eu sei é que rezo uma novena todo dia por eles e por todos porque todos têm família...